Vai decorrer na Biblioteca do Agrupamento de Escolas de Azeitão o primeiro acto de apresentação de Instrumentos de Sopro, de Ruy Ventura, recentemente publicado pelas Edições Sempre-em-Pé. Em data a anunciar ocorrerá uma apresentação em Lisboa.


Quinta-feira, 15 de Abril de 2010, por volta das 18 horas.
Biblioteca da Escola Básica 2, 3 de Azeitão.
Seminário Internacional em Alvito


Integrar o Alentejo no Caminho de Santiago,


um desafio para o Ano Santo de 2010





Segundo a tradição, quando o dia de Santiago Maior (25 de Julho) cai num domingo, este passa a ser Ano Santo Jacobeu, assinalado por particulares bênçãos e privilégios espirituais para os peregrinos. É o caso de 2010, um ano marcado, na Galiza e fora dela, pelo intenso programa religioso e cultural que se destina a tornar patente o fenómeno, cada vez mais popular, da peregrinação a Compostela. Só na capital galega são esperados mais de oito milhões de visitantes.

A ocasião mostra-se propícia para a redescoberta de diversos segmentos do Caminho de Santiago, outrora famosos, que caíram quase no esquecimento e começam a voltar à luz do dia. Algo extremamente significativo, tanto mais que o próximo Jubileu Compostelano só ocorrerá em 2021. Onze anos são muito tempo e podem fazer toda a diferença para que os itinerários menos divulgados se imponham, ou não, em termos internacionais, junto da UNESCO e dos organismos galegos a quem cabe o seu reconhecimento.

Um destes percursos, o Caminho Português, não se limitou, ao contrário do que muitos pensam, apenas às zonas do nosso país mais próximas da Galiza. Pelo contrário, sulcou todo o território nacional, tendo alcançado grande expressão também no Alentejo. O seu progressivo abandono a partir do século XVII votou-o a uma certa obscuridade. Hoje, porém, quando os itinerários para Santiago de Compostela estão a ser descobertos de novo por toda a Europa, assiste-se à revitalização do Caminho no Sul. O número de peregrinos é ainda modesto, mas vai em crescendo.

Eis um domínio em que não se pode improvisar nem actuar isoladamente, fomentando percursos um pouco ao sabor das circunstâncias. A organização é a chave do sucesso. De facto, torna-se necessário um esforço concertado, ao nível nacional e internacional, para determinar as vias mais praticáveis e conseguir a sua homologação pelas entidades religiosas e civis, para criar albergues e pontos de apoio (uma das grandes lacunas com que se deparam os peregrinos) e para recuperar e tornar acessíveis os monumentos e outros valores culturais e naturais associados ao Caminho.

No Baixo Alentejo, a recuperação dos antigos itinerários de peregrinação tem vindo a ser promovida pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja. Esta iniciativa, levada a cabo em parceria com os municípios e outras entidades da região, obteve já o reconhecimento da União Europeia, sendo um dos eixos de “Loci Iacobi – Lugares de Santiago, Lieux de Saint Jacques”, projecto-piloto que abrange Portugal, Espanha e França. O seu principal intuito é contribuir para a dinamização dos itinerários utilizados ao longo dos séculos pelos peregrinos.

A apresentação pública do projecto realiza-se em Alvito, a 25 de Março, no Seminário Internacional “O Caminho de Santiago e a Identidade Europeia”, destinado a assinalar o Ano Santo Jacobeu de 2010. Tendo como fio condutor a análise da peregrinação compostelana no contexto da Europa do século XXI, o encontro parte de uma reflexão sobre o passado, o presente e o futuro do Caminho para dar a conhecer a experiência e as perspectivas das três instituições responsáveis por “Loci Iacobi”: a Xunta de Galicia, governo autonómico da Galiza, com papel decisivo na gestão do Caminho; a Communauté d’Agglomération (comunidade urbana) de Le Puy-en-Velay, cidade património mundial, ponto de partida da “Via Podiensis”, um dos percursos mais destacados em solo francês; e a Diocese de Beja.





Uma realidade transversal à Europa

O Caminho de Santiago é constituído pelos diferentes itinerários utilizados, ao longo dos séculos, pelos peregrinos a Santiago de Compostela, sulcando praticamente toda a Europa, de Norte a Sul e de Este a Oeste. A peregrinação ao túmulo de Santiago marcou, logo a partir dos seus primórdios, no século IX, a identidade europeia. Atingiu o apogeu na transição da Idade Média para a época moderna. Após alguns momentos de crise, voltou a ganhar vigor na segunda metade do século XX. Hoje permanece bem presente no quotidiano do velho continente, adquirindo uma dimensão internacional cada vez mais notória e sendo percorrido por milhões de pessoas todos os anos.

Declarado Primeiro Itinerário Cultural Europeu (1987) e Património da Humanidade em Espanha (1993) e França (1998), o Caminho de Santiago, embora fiel a raízes plurisseculares, não deixa de ser uma realidade em constante evolução. O avanço da pesquisa científica e o entusiasmo dos peregrinos trouxeram à luz do dia, no decurso das últimas décadas, segmentos esquecidos das antigas vias. Em muitas regiões estão em curso actividades de revalorização dos percursos históricos. Aliás, o próprio fenómeno da peregrinação ganhou novos contornos, à luz da cultura e da espiritualidade dos nossos dias. Tudo isto tem enriquecido o Caminho, abrindo horizontes e criando novos desafios, como os que unem agora a Galiza, o Haute-Loire e o Alentejo.



Potenciar o património comum

A redescoberta de pontos-chaves do Caminho, a interpretação do património cultural e natural a ele associado e a qualificação do acolhimento dos peregrinos são algumas das prioridades do projecto “Loci Iacobi – Lugares de Santiago, Lieux de Saint Jacques”, assente na abordagem transversal dos fenómenos históricos, religiosos e turísticos que favorece o seu entendimento a uma escala mais alargada, visando distintas zonas do velho continente. Esta acção resulta de uma parceria formada em 2009 no âmbito do Programa de Cooperação Territorial do Espaço Sudoeste Europeu (SUDOE), apoiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).

O território correspondente à Diocese de Beja, a segunda mais extensa de Portugal, é um exemplo de como o Caminho de Santiago tem vindo a ser redescoberto nos últimos anos pelos investigadores e pelos peregrinos. Ao longo deste vasto espaço distribuem-se alguns dos principais itinerários do Caminho no Sudoeste Peninsular. Entre as vias que ligam a Andaluzia à Galiza merece destaque o que entra por Serpa, passa por Beja e, ao inflectir para o Norte, em direcção a Évora e depois a Santarém, tem uma referência primordial em Alvito, outrora ponto de paragem obrigatória para os viandantes. Por aqui passaram figuras de renome, como o médico e humanista Hyeronimus Münzer, cidadão de Nuremberga, enviado do imperador Maximiliano ao rei D. João II em 1494.

Elevada a vila em 1280, Alvito ocupou posição de relevo na zona entre Beja e Évora, sobressaindo pelos seus monumentos e obras de arte. O acolhimento dos peregrinos efectuava-se no hospital do Espírito Santo, fundação de D. Estêvão Anes (+ 1279), chanceler-mor de D. Afonso III. Em meados de Quinhentos, esta instituição ficou integrada na Santa Casa da Misericórdia, adoptando mais tarde o título de Nossa Senhora das Candeias. A igreja matriz, sob a invocação de Santa Maria (depois Nossa Senhora da Assunção), foi reconstruída na transição do século XV para o XVI e fez parte da rede dos santuários secundários do Caminho. Uma pintura mural “a secco”, de finais de Quatrocentos, representa Santiago, ladeado por São Sebastião e Santo André, com a túnica e o livro dos discípulos de Cristo e a capa, o bordão e o chapéu dos peregrinos, evocando a devoção ao apóstolo.

O Seminário Internacional, organizado pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja em colaboração com o Município de Alvito, decorre no Centro Cultural desta vila durante a manhã do dia 25. Conta com a participação de peritos no estudo, identificação e promoção do Caminho de Santiago, como Carmen Pardo, Corinne Gonçalves, José António Falcão, Géraldine Dabrigeon e Pedro Canavarro. A inscrição é gratuita (formulário em anexo ou www.cm-alvito.pt). Da parte da tarde efectua-se uma visita ao concelho.


Sinceramente, repugna-me a ideia de "melhores poemas" porque é impossível a alguém saber quais são os melhores, se não os leu todos. O costume, enfim. Uma estratégia semelhante à do "Omo", lavar mais branco... A iniciativa tem contudo algum mérito, nem que seja pela contribuição para as actividades da AMI.
DOIS POEMAS
DE INSTRUMENTOS DE SOPRO






criámos este mundo. e outro mundo ainda.
a voz e o sangue. este corpo a dançar na escuridão.
a sombra da cerejeira nesta tarde sem vento.

retiro, sem calor, o barro com que rebocámos a nossa alma.
assim, despida, a pedra esboroa-se.
somos apenas terra sem estrume que nos fertilize.
guardamos nos olhos a semente – e alguns grãos de areia
na alvenaria com que desenhámos esta ponte.

recriámos esse mundo. e outro mundo ainda.
os pilares rodeiam esta dança –
os mortos descendo ao centro da noite.

a água destrói o vinho e as videiras.
a janela guarda no poço uma língua estranha
que nesta face podemos decifrar.

destruímos este mundo. e outro mundo ainda.
amassámos sobre a eira a distância
com a fértil viagem ao poente.

a lama regenera a nossa sede. a água desfaz esses carvalhos
que um dia regressaram à nascente.

destruímos este mundo. e outro mundo ainda.
voz e sangue. corpo e dança.
na escuridão.







matéria



sangue ou tinta? nada substitui o corte
na paisagem. pedra ou tinta? não interessam
as formas nem as figuras dispostas no paramento
que rompe a linha das casas. os vitrais escondem

a passagem de um navio por entre os dedos.
não existem imagens que os olhos reconheçam.
na memória avultam movimentos mínimos –
lábios recebendo no negro esplendor

a torre inteira, arquitectura de sangue.
pedra ou sangue? esqueço o horizonte.
contemplo os vitrais. gritos explodem
como sinos num dia de nevoeiro.

ou tocarão os sinos como gritos nesta torre
que permanece sobre o livro?



*



sangue, tinta, pedra. a inexistência
sobre o espaço, substituindo a existência sobre a terra.
a pedra como símbolo do sangue – o sangue
como tinta, elevando na superfície
da carne outra torre feita de vulcões e de memória.

nada resiste contudo ao efémero das raízes.
a erosão e a humidade desfazem e apodrecem
o corpo, a torre, a paisagem.

os átomos subsistem. mas no fim dos tempos
ninguém poderá distinguir no deserto
a torre do corpo, o corpo da tinta e do papel
que um dia registaram a transfiguração

da pedra, do sangue – nas palavras.



In Instrumentos de Sopro, Águas Santas, 2010
INSTRUMENTOS DE SOPRO



 

Acaba de ser publicado nas edições Sempre-em-Pé, sediadas em Águas Santas (Maia) e responsáveis pela revista de poesia DiVersos, o novo livro de Ruy Ventura, intitulado Instrumentos de Sopro. Esta colectânea de poesia do autor de Chave de Ignição está integrada na colecção UniVersos, contando com um prefácio do poeta brasileiro C. Ronald e com uma capa criada a partir de um óleo do pintor Nuno de Matos Duarte.

O livro agora publicado nasce da colectânea intitulada El lugar, la imagen, editada em Espanha pela Editora Regional da Extremadura no ano 2006, com tradução para castelhano de Antonio Sáez Delgado. Os poemas aí incluídos fazem agora parte da segunda secção do livro, que surge ladeada por mais dois volantes, um prólogo e um epílogo.



*



Antes do texto, existe por vezes um pretexto. No texto nada existe, contudo, para além do verbo, do sentido que ele multiplica infinitamente, em autonomia ou total independência. Mas, se um objecto artístico rapidamente se separa da alavanca que lhe deu origem, dificilmente pode esquecê-la. Não sendo tópicos ou ecfrásticos os textos publicados neste livro, Ruy Ventura não esconde os elementos materiais (povoações, lugares, casas, igrejas, castelos, sítios e achados arqueológicos, esculturas e pinturas) que convulsionaram as palavras, obrigando-as a organizarem-se numa estrutura rítmica, semântica e simbólica tornada poema.

Segunda afirma na nota final do livro, os poemas da primeira parte não existiriam sem Portalegre, Nazaré, Carriagem, Dargilan, Montpellier-le-Vieux, Baságueda, a serra da Gardunha, a serra da Malcata, Carrazedo de Montenegro, Meimoa, Britiande, Lisboa (estação de Sete Rios), a serra de Castelo de Vide depois de um incêndio, uma barragem perto de Penamacor e o vale do rio Tejo, entre Amieira e as Portas do Ródão.

Instrumentos de sopro do painel central deste livro foram, de algum modo, várias esculturas marianas existentes em Portalegre, Bordeira, Guadalupe e Carrapateira, bem como uma moeda romana encontrada em Carreiras (Portalegre), a estela de Lutatia Lupata (Museu de Arte Romana, Mérida), a escultura “D. Sebastião” de João Cutileiro (Lagos), uma casa em Arronches, os alabastros de Nothingham (Museu de Arte Antiga, Lisboa), a catedral de Santiago de Compostela, a fortificação de La Couvertoirade, o “Poço d’ El-Rei” (Penamacor), o castelo e capela românica de Monsanto da Beira (Idanha), um presépio efémero (Carreiras), o castelo e judiaria de Valencia de Alcántara, a casa de José Régio (antiga igreja de S. Brás, Portalegre), uma “Santíssima Trindade” (Bemposta, Penamacor), o forte de Santa Maria (Portinho da Arrábida, Azeitão), o lugar onde terá existido o castelo de Carreiras, a torre-mirante das Jerónimas (Trujillo), o castelo de Sesimbra, o “Mártir Santo” velho da igreja de Carreiras, a anta do Patalim (entre Montemor-o-Novo e Évora), a igreja de Notre-Dame de l’ Espinasse (Millau), o “ribat” da Arrifana (Aljezur), uma escultura mutilada da igreja de São Pedro de Pomares (Beja), a igreja profanada de São Julião (Lisboa), a igreja incendiada de São Domingos (Lisboa), a torre de Saint-Jacques (Paris), uma pia baptismal hoje transformada em bebedouro (Carreiras) e as esculturas de José Aurélio intituladas “Pás de Vento, Ventos de Paz”, vistas em Almada.

Na terceira parte, são – segundo afirma – fragmentos de um retábulo interminável e infinito um óleo carreirense de Maria Lucília Moita, um “São Miguel salvando as almas do Purgatório” existente na igreja de São Sebastião de Carreiras, um carvão de João Salvador Martins, duas pinturas de Nicolau Saião, o “Ecce Homo” de um anónimo flamengo (Museu de Arte Antiga, Lisboa), “O Parlamento, trespassado pelo sol no nevoeiro” de Claude Monet, as pinturas de Francisco de Zurbarán que envolvem a sacristia do mosteiro de Guadalupe, uma fotografia de Diogo Pimentão, “WTC” de Jorge Martins e algumas aguarelas de Julio.

O subtítulo de Instrumentos de Sopro, “[inscapes]”, é uma homenagem ao poeta britânico Gerard Manley Hopkins. O livro é dedicado a Fernando Guerreiro e aos poetas espanhóis Álvaro Valverde, Antonio Reseco e José María Cumbreño.

Já nasceu o meu novo "filho".
Intitula-se Instrumentos de Sopro
e é publicado pelas Edições Sempre-em-Pé na sua colecção UniVersos.
QUATRO POEMAS
DE LUIS ARTURO GUICHARD






Contrários que se tocam

Estou do lado da névoa.
Primeiro, porque cai.
Sempre é menos pretencioso do que elevar-se.
Depois, porque faz truques de magia, como nas festas das crianças:
põe o lenço, oculta as coisas por momentos
e logo as deixa como estavam.
Faz com que os campos mais comuns
se convertam em bosques artúricos,
permite que o dedo escreva na vidraça.
É simples e não serve para nada.
Chega e parte por si mesma.

Estou do lado da névoa,
ainda que ganhem sempre os adoradores do fumo.

(in Nadie puede tocar la realidad, 2008)





Já não há caminhos

Só existiram caminhos
enquanto a terra foi plana.
Avançavam rectos, decididos,
senhores da realidade da linha,
sem se cruzarem antes de chegarem ao abismo
e caírem, ainda mais longos, em busca de outra terra.
Só nesse tempo existiram os viajantes,
os que tinham os olhos habituados
a um horizonte imóvel,
os que sabiam onde dormir apenas nessa noite,
os que não conheciam a debilidade do círculo
nem o consolo de voltarem ao ponto de partida
se iam caminhando perdidos.
Agora todos os caminhos têm indicações
e já não podemos perder-nos
a não ser dentro de nós mesmos.

(in Nadie puede tocar la realidad, 2008)




Os sinos do lugar onde nascemos
Estão sempre a tocar. Não os ouvimos
Mas nunca nos deixam. Medem
As badaladas que nos sobram com a precisão
Que só o pêndulo tem. Soam
Naquele lugar de casas brancas
Com longos passeios sem saída
Onde a mesma criança continua
A correr sem encontrar a saída
Com o mesmo olhar do velho
Que ensina ao menino um ponto para além
Do poente.
                A despedida soa
Nos ouvidos como um pêndulo. Comecemos
A desempenhar o ofício de crer e de esperar.
Entre estas doze badaladas devem estar
Os sons verdadeiros.

(in Los Sonidos Verdaderos, 2000)



Serei matéria

… la bibliothèque était le point de réunion d’une secte pythagorienne…
JACQUES ROUBAUD – La bibliothèque de Warburg

A biblioteca tem quatro pisos:
Palavra, Imagem, Acção e Fundamento.
Ordenados os livros do banqueiro
como um exército disposto em círculo
o seu general é a oliveira plantada no pátio.
Os livros sabem que os persas nunca ganham.
Os livros sabem como se constrói a barca de Ulisses.
Os livros sabem qual é o caminho para cima e para baixo.
Por isso, os livros têm um escudo.
Por isso, os livros têm piedade dos seus donos mortos.
De súbito, recordo Simónides:
Sou um morto, e um morto é merda, e a merda é terra
e se sou terra, então não sou um morto: sou uma divindade.
Todos os donos estão mortos.
São vaidade os seus nomes nas capas.
Um dia li o que um poeta dissera aos seus amigos:
Serei esse copo de água que estou bebendo.
Serei matéria.”
Não me comove a matéria, mesmo sabendo
que através dela pode haver uma saída,
nem a água, o que mais luz sobre a terra,
mas este “serei”, escrito por Quevedo
há quinhentos anos
e que não tem peso nem medida.

Todos temos um galo para Asclépio
já curados da vida.
E o livreiro a meu lado é todo Metamorfosis.

Antes de entrar nesta biblioteca
eu não sabia que era pagão.

(in Nadie puede tocar la realidad, 2008)



LUIS ARTURO GUICHARD (Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, México, 1973) é professor na Universidade de Salamanca, onde lecciona Filologia Clássica. É autor dos livros de poesia Los Sonidos Verdaderos (México, 2000) e Nadie puede tocar la realidad (Villanueva de la Serena, 2008). Para além de várias publicações científicas da sua especialidade, é ainda autor de Hacia el equilibrio. Lecturas de poesía española reciente (México, 2006). [Tradução de RV]
NA COMPANHIA DE CAMUS


Na passada sexta-feira foi lançado no Teatro da Trindade, em Lisboa, o mais recente livro do poeta e jornalista José do Carmo Francisco. Tal como noticiei há uns tempos, trata-se de um conjunto de entrevistas em torno do desporto, reunidas sob o título As Palavras em Jogo, num volume editado pela Padrões Culturais. Estruturadas a partir de um alicerce forte - as palavras de Albert Camus sobre a importância do desporto na sua formação humana e cultural -, traçam, além das opiniões veiculadas, perfis reveladores dos entrevistados, todos figuras conhecidas e/ou importantes na nossa vida cultural e cívica.
Nem todas as entrevistas revelam a mesma qualidade e profundidade; algumas delas mostram mesmo o quanto José do Carmo Francisco deve ter suado para que a destilação produzisse um álcool aceitável e bebível ou para retirar as declarações do expectável. Na minha opinião, revelam um enorme interesse os diálogos com Américo Guerreiro de Sousa, Dinis Machado, Ernesto Melo e Castro e Eduardo Nery. São francamente boas a entrevistas de Eduardo Guerra Carneiro, Fausto Bordalo Dias, Francisco José Viegas, José Quitério e Luís Filipe Maçarico. A de Álvaro Cunhal confirma apenas a cassete já histórica na nossa memória; o político comunista não desejou sair dos carris e conseguiu-o. Francamente fracas são as respostas de Urbano Tavares Rodrigues, Carlos Mendes e Clara Pinto Correia. Infelizmente, por motivos que sei alheios ao autor de Transporte Sentimental, as entrevistas de José Fernandes Fafe, José Nuno Martins, Mia Couto e Nicolau Saião não passam de perfis, ainda assim atraentes e suscitadores de curiosidade. Junta-se a este painel a memória de Francisco dos Santos, que vem ajudar o leitor deste interessante livro a entender o jogo das palavras e da vida, afinal uma "eterna luta entre o pó e a posteridade" - como intitulou José do Carmo Francisco o texto lido no lançamento.





A eterna luta entre o pó e a posteridade


Há 32 anos, quando comecei no Diário Popular, não imaginava como tudo isto é efémero. Os jornais são como as pessoas; também morrem. De repente lembro-me de alguns onde colaborei desde 1978 e que deixaram de se publicar: Diário Popular, Diário de Lisboa, Gazeta dos Desportos, A Capital, República. Mas se recuarmos 70 anos vemos nove jornais diários que não resistiram: Jornal do Comércio, O Comércio do Porto, O Primeiro de Janeiro, O Século, Novidades, República, Diário de Lisboa, A Voz, Diário da Manhã. Só ficaram o Diário de Noticias e o Jornal de Noticias. A Bola Magazine, de onde foram recuperadas para o meu livro As palavras em Jogo estas entrevistas e a memória, também só vive hoje na memória afectiva de quem a guarda e nas prateleiras das hemerotecas. Há 370 anos nasceu a primeira Gazeta que dentro de meses pode dar origem a algumas efemérides. Somos os bisnetos desses obscuros redactores e somos os remadores dessa barca onde se procura vencer o pó do silêncio e alcançar a posteridade possível. O Mundo é uma terrível fábrica de esquecimento; compete a todos e a cada um de nós fazer com que o esquecimento seja uma injustiça. Ao procurar saber mais do jornalismo de há 70 anos apareceu em O Século de 1941 uma referência a José Bento Pessoa. Pois o nosso figueirense foi em 1897 o vencedor do I Campeonato de Espanha em bicicleta disputado em Ávila na distância de 100 quilómetros que fez em 3h 42m e 31s. Ele é uma relíquia do Desporto Português. Este livro não aspira a tanto; pede apenas um pouco de atenção ao leitor comum e um lugar no futuro Museu do Desporto.



RELAÇÕES LITERÁRIAS E ARTÍSTICAS ENTRE PORTUGAL E ESPANHA NO MEIAC DE BADAJOZ



Na próxima quinta-feira, dia 11, pelas 20.00 horas (espanholas) será inaugurada a exposição SUROESTE. Relações literárias e artísticas entre
Portugal e Espanha (1890-1936), no Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo de Badajoz (MEIAC).
Trata-se duma grande exposição sobre as relações entre os dois países no
período referido, da qual foi comissãrio durante os três últimos anos Antonio Sáez Delgado, juntamente com Juan Manuel Bonet (ex-director do Museu Reina Sofia de Madrid), Luis Manuel Gaspar, Sara Afonso e Antonio Franco, director do MEIAC. A exposição conta com um grande catálogo de 900 páginas, com mais de 1000 imagens e textos de 30 grandes especialistas, entre os quais Eduardo Lourenço, Carlos Reis, Ángel Marcos de Dios ou Perfecto E. Cuadrado. O catálogo é editado pelo Ministério espanhol e pela editora portuguesa Assírio&Alvim.

MUSIL E O FUTURO

Cheguei ao fim das cerca de duas mil páginas da versão francesa d' O Homem sem Qualidades, de Robert Musil. Surge-me, agora, a mesma pergunta que costuma surgir sempre que termino obras com a importância desta: terei coragem de relê-la num destes dias que me faltam viver? Será possível repetir uma iniciação? Seja como for, acompanhar-me-á no futuro, mesmo quando dela restarem apenas alguns fragmentos, indistinguíveis de tantos outros que se vêm acumulando na memória.
Pareço às vezes um coleccionador, mas desejo apenas conhecer (no sentido mais inteiro da palavra) os alicerces da casa onde habito cultural e espiritualmente. E esses alicerces chamam-se Odisseia, Ilíada, Eneida, Divina Comédia, Em busca do tempo perdido, Metamorfoses, O Homem sem Qualidades, D. Quixote de la Mancha...
Que se seguirá? Vários caminhos se estendem à minha frente: Rayuela, de Cortázar, em tradução portuguesa; 2666, de Bolaño, no original... muitos outros. Qual seguirei? Não sei ainda.
Despedimos Febrero con dolor

Miguel Angel Gómez Naharro




Los más de 150 chilenos muertos por un seísmo nos producen un nuevo encogimiento cardiaco. Mientras todavía tenemos presente las desgracias de Haití, el continente hermano nos envía una nueva daga procedente de territorios sureños. Un nuevo responso austral.
Nuestro paisano Santiago Castelo escribió un poema titulado ‘Oración por Cuba’. Hoy con la muerte de Orlando Zapata tenemos que convertirlo en responso, incluso en reprimenda. Esta situación es suficientemente grave como para esperar que los ancianos hermanos Castro mueran detentando el poder hasta su muerte. Cuba auspiciada por la Unión Europea ha de encontrar el camino de una transición donde se respete la libertad de expresión.
Los más de 150 chilenos muertos por un seísmo nos producen un nuevo encogimiento cardiaco. Mientras todavía tenemos presente las desgracias de Haití, el continente hermano nos envía una nueva daga procedente de territorios sureños. Un nuevo responso austral.
De la tormenta perfecta nos hemos casi librado aunque también ha habido víctimas desde la Península Ibérica hasta Bélgica. No soltamos el hisopo.
En fin amigos, Marzo comienza sin alegría.

Publicado aqui: http://digitalextremadura.com/not/403/_despedimos_febrero_con_dolor/
LLAVE DE IGNICIÓN



comulgo un fuego inmenso esta noche.

sin voz. sin tiempo.
devoro esta salada carne
por el soplo que arrulla el mar
y las montañas.
abro estas alas. bebo sin cesar
el néctar y el corazón. ninguna sombra
nos protege. el sol y el agua queman
la superficie de este cuerpo
en que la negra flor
traslada de raíz el aroma de esta luz
que pocos ven.

[...]




É este o início da tradução de Marta López Vilar de um dos poemas do meu livro mais recente, Chave de ignição, publicado em 2009 pelas edições Labirinto. Pode ser lida aqui: http://laberintodepapel.blogspot.com/2010/03/llave-de-ignicion.html