José do Carmo Francisco

Marta López Vilar ou a terrível solidão do tempo

A «terrível solidão do tempo» surge na página 50 do livro La palabra esperada de Marta López Vilar. É o outro nome da solidão da vida: nascemos sozinhos, morremos sozinhos e dormimos todos os dias sozinhos – mesmo quando nos deitamos numa cama de casal.
A poesia de Marta López Vilar faz oscilar a sua respiração entre a Natureza e a Cultura. É uma poesia moderna não porque a autora é jovem (nascem em Madrid em 1978) mas porque a sua construção se organiza também no exercício da intertextualidade.
Trata-se sem dúvida de um lugar-comum mas, tal como na agricultura, «a enxertia só se realiza numa árvore que já existe», o mesmo é dizer que é impossível começar uma poesia a partir do zero, a partir do nado ou a partir do vazio.
Chegam até aos leitores deste livro as vozes dos trovadores que andavam de terra em terra a cantar os seus poemas – ainda não havia a palavra literatura porque não havia ainda sequer os livros. É a esses antigos trovadores que a poesia de Marta López Vilar foi buscar referências e pontos de partida para a sua própria, única e pessoal aventura poética.
Dizer que «esta poesia faz oscilar a sua respiração entre a Natureza e a Cultura» é o mesmo que afirmar «esta poesia é uma viagem entre a Natureza e a Cultura». A vida é, ela mesma, uma viagem entre o nascimento e a morte. Mas a viagem não tem aqui um sentido único, uma única direcção.


Pode viajar-se na proximidade do outro, no encontro marcado:
"De muy lejos vengo, como el viento claro / que abandoné en tu voz / para protegerme de la muerte. / No me despedí de ti. / Por eso ven a mí / y sálvame como tantas otras noches / de mis sueños. "
Pode viajar-se no sentido turístico do termo – Dresden, Esmirna, Alexandria, Roma. Ou Lisboa, por exemplo:
"Lisboa no existe. Es la herida desnuda / que contempla el Tajo, la frágil / presencia de la lluvia que florece / en las calles, el vacio que nombro en los secretos. / Ninguna imagem evoqué en esta ciudad. "
Mas também noutro sentido. Pode ser o diálogo inventado com uma estátua:
"Cierras los ojos en busca de ese mar / que a otros cuerpos se llevó de tu lado / vuelto en ceniza e vejez, siendo calor / prematuro de la muerte."
Pode ser o diálogo inventado entre Adriano e Antínoo:
"Ya nada persigo, nada se presenta ante mi puerta. / Ninguna juventud senti sino la tuya / ninguna ciudad, ningún otoño desbordó / por mis manos el cabello de la luz / los misterios del aire."
Grande parte destes poemas faz um convívio com a água. É uma maneira hábil de lembrar que só há vida na água e não por acaso de diz que «rebentaram as águas» quando uma criança está prestes a nascer. Vejamos o poema «Maresia»:
"Me quedo aqui, hermosa e alegre como me hiciste / esperando que regreses del mar / y com tu olor me traigas tu presencia y tu comienzo / tu principio sin fin que me conmueve."
O mar é uma oposição à terra, mapa da secura e da morte. Como no poema final do livro:
"Te marchas para siempre / y ya no sé donde se abre el mundo / donde está mi corazón y tantas flores. / Me vuelvo tierra profunda y desierta / cuerpo joven, sin rostro, enraizado a la muerte."
Um corpo enraizado na morte. Sim, enraizado porque, desde sempre se sabe, é inevitável essa morte, para todos e para o poeta também. Dessa morte só se salva o amor e a poesia. A Poesia. A Poesia. Que é a outra maneira de dizer Amor.


La palabra esperada, de Marta López Vilar
Ediciones Hiperión Madrid
78 páginas – 2007 – capa: uma figura a Acrópole de Atenas
XI Premio de Arte Joven – Poesia – de la Comunidad de Madrid