De um lado terra, do outro lado terra



Desde que o Homem é Homem (ser pensante com capacidades de conceptualização abstracta) que a água foi erigida enquanto mediador simbólico entre os habitantes animados da Terra. E entre todos os meios aquáticos que rodeiam e cruzam essa “mão do mundo” que é a Península Ibérica (como referiu, se não estou em erro, Miguel de Unamuno), logo muito cedo o rio Guadiana – em conjunto com outras artérias que irrigam com o seu sangue a por vezes seca carne hispânica – se constituiu enquanto ponte maternal entre os povos das suas margens ou entre os habitantes do “mare clausum” mediterrânico, os das margens da imensidão atlântica e os do interior da plataforma continental. Só muito mais tarde o grande rio do Sul – “Anas”, “Odiana” ou “Guadiana”, conforme as épocas – foi obrigado a assumir o papel de fronteira entre países que as guerras e as políticas reais e/ou senhoriais dividiram. Não era esse o seu papel. Logo que pôde, inundou as suas margens, submergiu as linhas que só os mapas recordam, diluiu as divisões que separavam os dedos de uma mão que, afinal, com os seus diferentes estatutos e funções, têm como finalidade a reunião (porque só apertada a mão revela toda a sua força).
Tudo isto conheceram sempre os seres humanos que povoaram, ao longo de milénios, as duas margens do Guadiana. No fundo, bem no fundo, os habitantes de Monsaraz, Mourão, Juromenha, Olivença, São Bento da Contenda, Villanueva del Fresno, Cheles, Alconchel ou Villareal (herdeiros de muitos lugares da Lusitânia romana e visigótica e do reino rebelde de Badajoz) souberam sempre que viviam num território unido pela Cultura e pela Geografia. Os contrabandistas dos dois lados tinham consciência, com Miguel Torga, de que de um e de outro lado havia somente terra, de que numa margem e na outra margem existia apenas gente...
Olivença, por exemplo, mudou de mãos há perto de duzentos anos, com todo o seu território municipal. Na prática, apesar de pontes derrubadas e de línguas mescladas, a fronteira não se transportou, deixou somente de existir. Há mapas que o assinalam… Mudou a administração política de uma parte da província de Entre Tejo e Odiana, mas teriam mudado as pessoas e a sua genealogia familiar e cultural, os edifícios e a sua arquitectura, o relevo e a sua orografia? Estas questões fazem hoje, talvez, pouco sentido, quando estamos nos braços duma União Europeia que acabou com os postos aduaneiros e unificou a trocas comerciais. A língua portuguesa floresce do lado extremenho – e ainda bem. Como escreveu um dia o filósofo Agostinho da Silva, quanto mundo seremos quando um dia soubermos instituir uma Comunidade dos Povos de Língua Ibéricas…
O território de Olivença – antigo concelho português que não deixou de o ser, pelo menos na alma, apesar de administrado por representantes de Madrid – está do outro lado do Guadiana, do outro lado do lago artificial chamado “Barragem do Alqueva”. Atravessar as diversas pontes que reduzem a distância entre as duas margens será sempre encontrar uma identidade material depurada. Em nenhuma outra parcela do território peninsular fará talvez tanto sentido a palavra “saudade”. A viagem tem um poder analgésico. Encontramo-nos na fortaleza de Alconchel, nas muralhas e nas torres oliventinas do castelo templário do tempo do rei trovador D. Dinis, no manuelino da igreja de Santa Maria Madalena, no interior barroco da Misericórdia, feito de talha e azulejos com paralelos noutras partes lusas. Visitar o Museu Etnográfico é compreender que dois séculos fizeram muito pouco pela divisão de povos duplos um do outro. A separação – metaforizada durante muito tempo na derrubada “Ponte da Ajuda” – acentuou a saudade, mas não destruiu a identidade, que dispensa separações artificiais do território.
Mais do que visitar mentalmente a memória contida no topónimo “Contienda” – palimpsesto de lutas, de escaramuças, de mortes, de vidas destruídas e sempre reconstruídas – é preciso caminhar em peregrinação até Cheles, onde o fim de mais uma guerra ibérica (a guerra da restauração da independência, que se seguiu à revolta de 1 de Dezembro de 1640 contra o domínio filipino) levou à construção de uma ermida consagrada ao Cristo da Paz, como acto de acção de graças. A paz está agora consolidada – e todos a solidificaremos se nos adentrarmos por um território onde nos veremos sempre, como num espelho múltiplo. Não terá sido, talvez, por acaso que até o martírio cívico de um dos heróis da luta anti-salazarista (Humberto Delgado) foi ocorrer precisamente numa dessas terras onde a fronteira nos une, numa pequena parcela do campo que rodeia Villanueva del Fresno.
Nesta parte da bacia hidrográfica do Guadiana, empresada pelos portugueses para sua subsistência, a água veio cumprir a sua função primordial de elemento simbólico e material de ligação. Submersas as fronteiras, a barragem parece traduzir materialmente uma palavra árabe pouco lembrada, “aldjusûr”. Não apenas açude (“as-sudd”) ou ponte (“al-kantarâ”), mas uma síntese das duas, conserva na sua semântica uma metáfora híbrida: se, por um lado, alarga o poder fertilizador das águas, por outro serve de elemento de ligação entre terras e seres. Assim será sempre a viagem entre as duas partes da raia. Fertilizará que tiver abertura para empreendê-la, para além das estritas necessidades materiais do comércio. Ligará um território humano que no fundo, bem no fundo, nunca deveria ter sido divido.

(Publicado recentemente no nº 8 da revista Imagén de Extremadura, editada em Mérida.)
APRENDER A REZAR
NA ERA DA TÉCNICA
de Gonçalo M. Tavares

A palavra - e, no final, a luz. Desmaterializar uma luz mecânica e as imagens por ela produzidas para, na ausência da palavra (no silêncio), conseguir entregar - em tranquilidade - a última moeda.
Se a identidade (o corpo) é apenas palavra-expressão que a vontade humana violenta, manipula, modifica, apaga e/ou regista (tenta registar), apenas na sua cessação se acolhe a luz religadora que permite uma outra palavra, inaudível-transcendente pela ausência, a única que pode dar início à "aprendizagem da oração na Era da Técnica".
Ser verbal, Lenz Buchmann leva-nos a considerar o poder redentor da erosão: - a estátua marca presença em violência e movimento (como Álvaro de Campos), mas só na imobilidade e na abdicação-de-si-própria (Ricardo Reis) chega a existir.

É preciso não nos esquecermos disto!


PORTALEGRE 26 DE JANEIRO, SÁBADO

APRESENTAÇÃO DO LIVRO
GLORIA VICTIS
DE CARLOS GARCIA DE CASTRO


Carlos Garcia de Castro, poeta com livros editados desde 1955, publica agora uma obra que designa de «Não-Poemas» e a que dá o título de GLORIA VICTIS. Editado por um pequeno editor independente, que edita já a série DiVersos - Poesia e Tradução, fundada em 1996, o livro integra-se na colecção de poesia UniVersos. Paradoxo? Sim e não. Porque estes «Não-Poemas», colocando-se embora a contracorrente de algumas tendências hoje dominantes, são de facto poesia que revela o poético onde se julgaria encontrar o mais banal. Algo que nos permite aproximar o Autor de espíritos como Cesário Verde ou João Cabral de Melo Neto, por exemplo.
Neste Glória aos Vencidos, que não se ofusca com as gloríolas dos «vencedores» e lhes recusa a «vitória», Carlos Garcia de Castro convida também indirectamente a reflectir sobre os caminhos e descaminhos da poesia actual.
Alguns dos temas deste livro são pouco comuns, a vertente descendente da velhice («katabolé», capítulo 5), por exemplo, ou a dimensão conjugal e familiar, ou, ainda mais raro, o entrecuzar de ambas. A figura do poeta sai talvez banalizada, mas, por isso mesmo, engrandecida: «um ser comum, que é o que a morte faz de todos nós». Apesar de uma aparente e ilusória banalidade, estamos perante uma poesia extremamente elaborada, assente no restauro da versificação e na métrica do decassílabo, numa invocação do versum primordial desprovido de rima que se
encontra no fundamento do clássico em poesia. Classicismo e quotidiano, uma proximidade que pode surpreender, mas que resulta aqui em vivacidade e harmonia, penetradas de uma cultura desprovida de exibicionismo cultural. Sob muitos aspectos, estes «não-poemas» são afinal um convite ao regresso à poesia.

CARLOS GARCIA DE CASTRO nasceu em Portalegre, em 1934. Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas. Profissionalmente: professor dos Liceus, de onde, na área das Ciências da Educação, ingressou no quadro da Escola do Magistério Primário (1970), de que foi director de 1976 a 1989. Transitou para o quadro da Escola Superior de Educação: director do Centro de Recursos e Animação Pedagógica; leccionou cursos de especialização; aposentou-se dessa Escola na categoria de professor adjunto. Comunicações sobre temas pedagógicos. Foi o sócio-fundador que instalou a CERCIPORTALEGRE (Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas). Estatuiu o Ensino Pré-Escolar oficial em Portalegre. Literariamente: publicação de Cio (1955); Terceiro Verso do Tempo (1963); Portus Alacer (1987); Os Lagóias e os Estrangeiros (1992); Rato do Campo (1998). Colaborou em várias revistas literárias e culturais, de que se destacam Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian; Sol XXI, da Associação com o mesmo nome; A Cidade – Revista Cultural de Portalegre, e outras da sua região como Callipole, Ibn Maruán e Fanal, suplemento de um semanário. Participou nos cadernos Alfa, do grupo de universitários Amicitia. Nos Açores, produziu e apresentou o programa «Pensamento e Poesia» no Rádio Clube de Angra do Heroísmo (1959/60), e tem colaborado na revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura. Antologias: representado em Poesia/70, org. de Egito Gonçalves e Manuel Alberto Valente (Editorial Inova, Porto, 1971); Poetas Alentejanos do Século XX, org. de Francisco Dias da Costa, 1984; Cancioneiro/80, do Jornal de Letras, Porto, 1990-91; Poetas e Escritores da Serra de S. Mamede, org. de Ruy Ventura, edição Amores Perfeitos, Vila Nova de Famalicão, 2002.

Carlos Garcia de Castro publicou ainda recentemente uma antologia na Editorial Escrituras, de São Paulo (Brasil), intitulada Fora de Portas.

J. C. COSTA MARQUES, EDITOR
EDIÇÕES SEMPRE-EM-PÉ
www.sempreempe.pt * contacto@sempreempe.pt * telefax 229759592
Rua Camilo Castelo Branco, 70/52 * 4425-037 Águas Santas

AMADEU BAPTISTA

Se não tivesse ganho estes prémios,estaria na miséria


Vencedor recente da edição portuguesa do Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica, Amadeu Baptista (n. 1953) começou a publicar em 1982 (As Passagens Secretas) e tem 20 livros editados em Portugal, além de poemas traduzidos para alemão, castelhano, catalão, francês, hebraico, italiano, inglês e romeno.
Em entrevista feita por e-mail, falou a este blogue da génese de Sobre as Imagens (o livro premiado), da escrita compulsiva, do seu “sistema” poético, do desemprego que vai enganando com o dinheiro dos vários prémios ganhos nos últimos meses e do “enxovalho” a que a maior parte dos autores estão sujeitos em Portugal.

(A entrevista dada ao blogue Bibliotecário de Babel, cuja entrada se reproduz, pode ser lida também no Triplov. Estrada do Alicerce aproveita assim a ocasião para dar os parabéns a Amadeu Baptista por mais um - merecido... - prémio.)

Nicolau Saião

O MASSACRE DOS INOCENTES

“O governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, avançou esta sexta-feira que «há mais de 13 milhões de operações de crédito» e que, por esse motivo, não lhe compete ver tudo. «Há certas coisas que podem existir e que podem não ser encontradas. São encontradas normalmente por acaso ou por denúncia como neste caso (BCP)», disse Vítor Constâncio no Parlamento, onde está a ser ouvido no âmbito de alegadas irregularidades na instituição financeira. “
(Dos jornais)

As declarações do sr.governador do Banco de Portugal (sublinho: de Portugal, não do Governo, do Estado ou de qualquer fabiano de vulto) são uma pérola que despertaria comicidade se não tivesse um eco trágico. Com efeito, dão bem o tom do descalabro a que chegou esta "democracia tendencial", em que os mandantes, apesar da prosápia que ostentam, parecem - a atender a estas declarações que nos deixam estupefactos - estar enfronhados numa brincadeira de garotos.
Não lembra ao diabo o sr. governador dizer que não tem possibilidades de ver tudo. Se não vê, se isso é de facto assim, devia procurar arranjar os mecanismos que obstassem a que qualquer aventureiro do sector argentário possa fazer o ninho atrás da orelha ao Povo, ao Estado a que deve contas. Além disso, parece-nos que o cidadão vulgar não deve gozar certamente da possibilidade material (a não ser que disponha dos poderes do Mandrake) de conseguir tirar milhões da cartola, para empregar esta expressão que desejaria sugestiva...
O que o sr. governador, que é regiamente pago e muito bem, pois deve fazer um trabalho excelente, nos deixa inferir - é que o Estado de que é alto funcionário está inerme como um anjola perante os díscolos de alto coturno. Assim sendo, eu pasmo (ou não pasmo, o que vem a dar no mesmo) e fico com a certeza, material e comezinha, de que esta democracia tão festejada pelo sr. primeiro-ministro e outros maravilhosos mantenedores do progresso que nos envolve está de facto, como costuma dizer-se, “de cabeça para baixo”.
Não fui o primeiro a fazê-lo - outros antes de mim, na Assembleia da República, já disseram coisas que o sr.governador certamente apreciou, porque decerto, apesar da sua aparência macambúzia, é pessoa com senso de humor. Mas eu quero dar-lhe os parabéns pela sua “verve”.
O país necessita, como do pão para a boca, de pessoas assim expeditas e vivazes!
TAMBÉM EU...

... gostaria de leccionar numa escola onde o Conselho Pedagógico tivesse tudo em seu sítio e apresentasse à Tutela uma proposta fundamentada como esta. Prova quão impossível é cumprir a avaliação do desempenho docente (não será esse o objectivo do Ministério, para prolongar ainda mais o congelamento de progressões?) , agora concretizada pelo Decreto Regulamentar nº. 2/2008, de 10 de Janeiro, conforme já manifestara conscientemente um homem vertical como José Matias Alves.
Nicolau Saião

"Em Portalegre cidade"... ou Portalegre no seu melhor

Não é todos os dias que, na chamada grande imprensa, o nome da cidade de Portalegre é citado. Em geral costuma ser pelos motivos menos positivos: um burlão que é apanhado com a doutorice na botija, um desastre ou um assalto perpetrado em plena luz do dia na rua mais concorrida da terra, um grupo de funcionários/polícias que, por denuncia do seu comandante da altura, é investigado e (processado?) por se ter enredado em "ligações perigosas" com comerciantes, um caso momentoso no hospital, noutra entidade funcionalista, ou a derrocada súbita duma casa entaipando quem lá morava...
Verdade seja que lá de vez em quando também aparecem citados, ainda que ao de leve, acontecimentos positivos de relevo: um prémio atribuído, à autarquia e ao arquitecto, pela recuperação de um edifício histórico integrado na renovação da cidade, os sucessos de autores de reconhecido mérito (em geral depois discriminados portas adentro, porque não interessa que façam concorrencia aos "galhetas" semi-intelectuais), um alto empresário que, segundo consta, virá para cá trabucar, um bispo novo que vai ser para cá nomeado, etc...Enfim, creio que me faço entender.

[ler continuação no Arquivo do Norte Alentejano]

José do Carmo Francisco


Balada da Calçada do Combro

A Rua de todos os dias
Onde eu ia quatro vezes
E as noites mais sombrias
Demoravam como meses

Polícia à porta da Escola
A proteger as meninas
O amor era uma esmola
Pedida noutras esquinas

Poço dos Negros abaixo
Em cima era o Calhariz
Na memória que eu acho
Tudo é escuro e infeliz

Havia a guerra e o medo
Estava perto a inspecção
Um poema era segredo
Na Escola Veiga Beirão

Ao sábado até à uma
O trabalho continua
A bica de alta espuma
Espera por mim na rua

Manhã de segunda-feira
Vinte e oito na pendura
Uma vida verdadeira
Não se vive em ditadura

Nos cafés ao fim do dia
Os boatos são notícias
Falar é uma teimosia
À paisana são polícias

«Suplemento literário»
Quinta-feira nos jornais
Via o tempo ao contrário
Onde os sonhos eram reais

Passam já quarenta anos
Sobre mim sobre a calçada
Fora estes mitos urbanos
Parece que não houve nada

Excepto talvez a ternura
Que se gastou em excesso
A calçada é uma gravura
Mas virada do avesso

Onde até eu sou presente
Na multidão disfarçado
Estou no lugar da frente
Assim vou a todo o lado

Numa porta de Livraria
Vi Bocage em imagem
Na paragem da alegria
Acabou esta viagem

ÁNGEL GONZÁLEZ (1925-2008)

Soube da sua morte ontem, através do blogue do poeta Álvaro Valverde, que assim escreveu:
"Ha muerto uno de nuestros mejores poetas del XX. Como mi amigo Josemari, lo tuve como uno de mis maestros, aunque con el tiempo dejara de ser uno de mis autores de cabecera. Con todo, libros como Tratado de urbanismo o Muestra... siempre formarán parte de la biblioteca de mi vida. Tampoco puedo olvidar sus textos sobre Machado y Juan Ramón.Me encontré con él en algunas ocasiones pero sólo llegamos a saludarnos. La primera, en presencia de Luis Muñoz, en la fiesta del Loewe del 92, en el Círculo de Bellas Artes de Madrid. De su biografía, destacaría su paso por la escuela, entre las nieves de sus montañas asturianas, con la enfermedad y la postguerra a cuestas. Aníbal Núñez me contó que la poesía de González fue una referencia fundamental en sus comienzos. En el libro que le dedicara Debicki (en la memorable colección Los Poetas, de Júcar), me encuentro un recorte de El País donde se anunciaba su boda con Susana Rivera. Entre los asistentes, Dulce Chacón. Era, según creo, el año 90."
Foi com tristeza que recebi a notícia. Era um dos poetas de Espanha que me apetecia ler com frequência. Aqui ficam, em jeito de homenagem, três poemas que dele traduzi:



Para que eu me chame Ángel González

Para que eu me chame Ángel González,
para que a minha existência pese sobre a terra,
foi necessário um largo espaço
e um longo tempo:
homens de todo o mar e toda a terra,
férteis ventres de mulher, e corpos
e mais corpos, fundindo-se incessantes
noutro corpo novo.
Solstícios e equinócios alumiaram
com sua cambiante luz, seu variado céu,
a viagem milenária da minha carne
escalando pelos séculos e pelos ossos.
Da sua passagem lenta e dolorosa
da sua fuga até ao fim, sobrevivendo
a naufrágios, aferrando-se
ao último suspiro dos mortos,
já não sou mais do que o resultado, o fruto,
o que fica, apodrecido, entre os restos:
isto que vedes aqui,
apenas isto:
um escombro tenaz, que resiste
à sua ruína, que luta contra o vento,
que avança por caminhos que não levam
a sítio algum. O êxito
de todos os fracassos. A enlouquecida
força do desalento...

(in Áspero mundo, 1956)



Cidade zero

Uma revolução.

Depois, uma guerra.

Naqueles dois anos – que eram
a quinta parte de toda a minha vida –
eu havia experimentado sensações distintas.

Imaginei mais tarde
o que é a luta na qualidade de homem.
Mas para mim, criança,
a guerra era apenas:

suspensão das aulas na escola,
Isabelita em cuecas na cave,
cemitérios de automóveis, andares
abandonados, fome indescritível,
sangue descoberto
na terra ou nas pedras da calçada,
um terror que durava
o mesmo que o frágil rumor dos vidros
depois da explosão,
e a quase incompreensível
dor dos adultos,
suas lágrimas, seu medo,
sua ira sufocada,
que, por alguma ponta,
entrava na minha alma
para desvanecer-se logo, rapidamente,
perante um dos muitos
prodígios quotidianos: descobrir
uma bala ainda quente,
um incêndio
de um edifício próximo,
os restos de um saque
– papéis e retratos
no meio da rua...

Tudo passou,
é tudo confuso agora, tudo
menos aquilo que apenas entendia
naquele tempo
e que, anos mais tarde,
ressurgiu dentro de mim, então para sempre:

este medo difuso,
esta ira repentina,
estas imprevisíveis
e verdadeiras vontades de chorar.

(in Tratado de urbanismo, 1967)



Velho tapete

Toda a gente era pobre naquele tempo,
todos entreteciam
sem o saber
– e às vezes sorriam –
os fios de tristeza
que formavam a trama da vida
(inconsistente tela, mas
que fio teimoso, a esperança).
Umas linhas
de amor douravam
uma ponta daquele tapete sombrio
na qual eu era um menino que corria
não sabendo de quê ou para onde,
talvez para o espaço luminoso
que urdiam incansáveis
as obstinadas mãos amorosas.

Nunca cheguei a essa luz.
Quando ia alcaná-la,
o tempo, mais veloz,
já a tinha apagado, com a sua pátina.

(in Otoños y otras luces, 2001)


Nota: Qualquer das três traduções apresentadas foi publicada inicialmente na antologia 20 Poetas Espanhóis do Século XX, organizada por Antonio Sáez Delgado e por mim vertida para a nossa língua (Coimbra, Alma Azul, 2003), na qual se incluem ainda poemas de Miguel de Unamuno, Antonio Machado, Juan Ramón Jiménez, Pedro Salinas, Jorge Guillén, Vicente Aleixandre, Federico García Lorca, Luis Cernuda, Rafael Alberti, Miguel Hernández, Blas de Otero, José Hierro, José Ángel Valente, Jaime Gil de Biedma, Francisco Brines, Claudio Rodríguez, Pere Gimferrer, Antonio Colinas e Leopoldo Maria Panero.
José do Carmo Francisco
(in Gazeta das Caldas)

«As Filarmónicas perdidas
e as lágrimas doiradas pelo Sol»

«Hoje vamos tocar a DINA!» – foram estas as primeiras palavras do meu primo Luís Almeida com a trompete debaixo do braço à porta da igreja paroquial de Santa Catarina no passado dia 25 de Novembro. Eu tinha chegado há minutos mas como parei logo no café do Garcia para uma bica escaldada e dois dedos de conversa com ele e com o Hélder Funcheira, não me tinha ainda apercebido que era o dia da festa de Santa Catarina.
Pouco tempo depois já estava integrado na procissão ao lado de dois amigos de longa data (Manuel e Joaquim Clímaco) e atrás do meu filho e do meu pai. Com os primeiros acordes da marcha solene pelos músicos da Filarmónica Catarinense e com o repicar dos sinos (já não está lá o Zé Pombo…) tomou conta de mim uma emoção muito especial. As bandeiras e os estandartes, a imagem de Santa Catarina levada num andor por quatro rapazes novos, todo o ambiente da procissão com as colchas nas varandas e verdura no chão, tudo me fazia recuar ao tempo da Estrada de Macadame. A procissão continuou, lenta e solene, e as minhas emoções iam subindo de tom. Depois da volta no fim da Índia e da passagem na fábrica de cutelarias IVO, aconteceu uma cena emotiva: ver a figura debilitada do António «Cuco», amparado a duas bengalas e com uma luva para aquecer a mão fria. Lembrei-me logo dos músicos dos velhos tempo como o seu pai José «Cuco» e o seu irmão Abílio. Mas também o Joaquim Carvalho e os filhos José, António e Edmundo. E o grupo dos Freires: o meu tio Joaquim, o Vítor, o Juventino e o António Freire. Sem esquecer outro grupo: o João «Calão», o Artur «Balaú», o Zé Coimbra, o António Branco, o Américo Paulo, o António «Larila», o João «Areia», o «Ernestinho», o Abílio «Milhafre», o David Funcheira sempre disponível para a trompa e o meu querido primo «Palheirão» com o seu contrabaixo. E claro, também o meu avô José Almeida Penas e os meus tios Álvaro e Armindo, por último mas não em último. E todos os outros que posso não recordar hoje mas não estão esquecidos na memória mais profunda.
A estranha emoção de ver o António «Cuco» impedido de ser actor e obrigado a ser apenas espectador de uma festa que ele ajudou tantas vezes a edificar, levou-me a chorar algumas lágrimas que o Sol, batendo de chapa, acabou por ajudar a doirar. Os acordes da marcha solene DINA também ajudaram ao aparecimento das lágrimas. Lembrei-me nessa altura do título de um livro de poemas dum escritor dos Açores, Mário Machado Fraião. O livro chama-se Todas as Filarmónica perdidas e um poema por dizer. Lembrei-me também que quando vivi no Montijo não me separei das Filarmónicas. Havia lá duas em 1957: a «Democrática 2 de Janeiro» e a «Imparcial 1º de Dezembro». Tal como em Santa Catarina, eu no Montijo ia sempre atrás da música. Em Vila Franca de Xira havia a Banda do Ateneu Artístico Vila-franquense. Acompanhei de perto a sua música desde 1961 a 1966 e lá voltei em 1969 para acompanhar o funeral do escritor Alves Redol. Fazia muito frio, era Novembro e a marcha fúnebre deixou-me muito comovido. Tal como a marcha DINA no passado dia 25 de Novembro em Santa Catarina, durante a procissão da festa da nossa padroeira. Não há dúvida: a nossa vida é feita de Filarmónicas perdidas, de emoções fortes e de lágrimas doiradas pelo Sol. Se não fosse assim também não valia a pena. Não era vida; era apenas subsistência. E isso não interessa a ninguém que quer ser (mesmo!) uma pessoa. Ver os miúdos e as miúdas novas no lugar dos velhos filarmónicos do meu tempo, transmite uma ideia forte: a única resposta à morte e às suas emboscadas é a vida.
Nicolau Saião

DUAS REFLEXÕES

1.
Pecadores ou criminosos - ou uma coisa e também outra?

Concordo com o que é referido, oportunamente, num texto de A.Mello (*). E porquê? Porque, como está expresso na asserção cristã, os sepulcros caiados, os hipócritas - que tanto mal têm feito a uma Igreja autêntica, verdadeiramente humana e fundacional - não podem continuar a exercer os seus maus propósitos com a complacencia da Hierarquia. Ignorando os males feitos por pedófilos, abusadores, gente desse jaez. Ainda que tonsurados.

Independentemente de, como Santo Agostinho referiu, "Ignorar ou desculpar o mal é pactuar com o mal, é na verdade fazer o Mal", não podemos esquecer que, se Cristo é a Verdade, compete à Igreja que dele parte dar testemunho impoluto, claro, realmente respeitador dos postulados que ele trouxe para nos salvar.

Com o pretexto de um perdão que muito se parece com cumplicidade, um perdão mal entendido e em última análise efectivamente relapso, a Hierarquia está a comprometer a luz da Fé, a justeza da Crença e a magnificência dum apostolado que é limpo e digno mesmo no século.

Escândalo maior que trazer à luz estes miasmas subterrâneos é ser-se conivente com a maldade e a perversidade cruel. O perdão, como Bernardo de Claraval nos ensinou, é de compreensão, não de abafamento! De contrário é apenas perfídia, cubra-se ou não com a púrpura do Poder de facto. Que Deus ilumine os cardeais e os bispos, como parece ter já iluminado o Papa.

(*) Alude ao texto dado a lume no Portugal Club no qual o seu autor refere que uma parte da Hierarquia da ICAR, de acordo com informações fidedignas, subvertendo ardilosamente a vontade do próprio Bento XVI tem tentado abafar o aclaramento dos crimes de pedofilia protagonizados por eclesiásticos com, pasme-se, o pretexto de que “causa escândalo”...

2.

Apólogo da rã e do lacrau

A questão, candente e momentosa, das acções levadas a efeito pelo Governo lusitano actual no seu afã de acabar com o fumo, devem convidar-nos - à guisa de sherloques simbólicos e experimentais - a efectuar uma ligeira reflexão ao jeito dos detectives da ficção, utilizando com discernimento as "células cinzentas". Ou seja, inquirirmo-nos: a quem aproveita a dita acção? Isto em primeiro lugar. E logo a seguir: porquê este afã redencionista anti-tabagista?
Lembremo-nos que estamos a contas com um governo que é emanação dum Estado que pôs os hospitais em petição de miséria, que manipula o ensino sem ponderação nem tacto, que relega os mais velhos para um estatuto pré-vegetativo, que não acautela os direitos dos jovens, que abusa da classe média e que discrimina (pela positiva...) drogados, díscolos e bandidos de alto coturno e que, colocado ante vergonhas como a daquele Banco em que todos estamos a pensar, perdeu todo o senso honrado que eventualmente residisse nas acções dos seus fiscais.

Assim sendo, é fácil inferir que, na verdade, o actual governo - no qual o Estado português claramente se revê - é uma máquina de desmiolar sem pudor e sem mérito, um aparelho de constranger de tal forma capcioso, grosseiro e alvar, que já certos comentadores, aparentemente calmos burgueses, estão a perder a calma.
E, como todas essas máquinas, este Estado trapaceiro tem de arranjar cortinas de fumo (passe a aparente ironia) para nos distrair - enquanto artilham as suas negociatas, afinam os seus truques e entesouram as suas mordomias.

Há o apólogo da rã que acerta com o lacrau transportá-lo para o outro lado do rio sob a promessa de que nenhum mal lhe seria feito - tanto mais que se a picasse morreriam os dois afogados. No entanto, o lacrau picou a rã - e lá se finaram os dois a meio do rio. E, antes de expirar, explicou o lacrau à rã que não pôde deixar de o fazer - e sublinho - porque o picar estava na sua natureza.

Tal como o governo, espelho deste Estado mesureiro por um lado, mas autoritário e remanchado na realidade, não pode deixar de proceder arteira e maldosamente.
Está-lhe na "ideologia", está-lhe nos genes políticos e sociais...

É necessário, é já caso de sobrevivência nacional MUDAR DE REGIME. Para além de se enviar Sócrates de férias.

Para uma verdadeira Democracia, sem "lacraus".

In Portugal Club

AUGUSTO RAÍNHO
ou a angústia de representar

O acto de fotografar nasce como analgésico contra a angústia da perda. Tal como, noutros tempos, a pintura ou a escultura e, mais tarde, o cinema (fotografia em movimento). Pouco fiados nas capacidades de retenção da nossa memória cerebral, tentamos encontrar outros meios de preservação da realidade, verbais ou nem tanto. Desencantados, talvez, com o carácter escorregadio das palavras, deixamo-nos seduzir pela imagem, que nos garante, à partida, como a música, uma maior universalidade, em maiores e melhores hipóteses de conservação e de transmissão ao futuro.
Enganamo-nos... Ícone ou metáfora, signo ou alegoria (mesmo involuntários), a fotografia submete-se às regras da representação. Como a escrita, tentando resolver uma angústia, será sempre fonte e núcleo de outra angústia tangente. Queremos repetir por meios mecânicos ou electrónicos uma existência passada - sabendo de antemão que ela nos será devolvida apenas como fragmento, como relíquia ou como fantasma. Já Roland Barthes, num dos seus melhores livros (quiçá mesmo o melhor, A Câmara Clara) o afirmou...
Para fugir a esta angústia representativa (na fotografia, como em qualquer outra forma de expressão verbal ou não-verbal), parece só existir uma saída: a destruição da mimésis, concretizada na transfiguração da realidade, na criação de realidades alternativas. Nasce então a Arte.

Olhar e Abraçar Castelo de Vide, livro de fotografias de Augusto Raínho, debruçado sobre a terra em que nasceu, revela tudo isto que vimos sugerindo. Se, por um lado, responde ao nobre dever de conservação da memória comunitária (festividades, rostos, hábitos, paisagens, dramas até...), por outro manifesta consciência de que o registo, mesmo fotográfico, é sempre parcialmente inviável.
Ao contemplarmos as imagens (belíssimas, sem excepção), guardamos no cérebro uma soma de pontos luminosos, centrais ou excêntricos às realidades representadas e conservadas. Mas, como informa o título do álbum, não devemos contentar-nos com essas visões. Devemos sentir, com o autor (os sentimentos são aí mediadores privilegiados entre o "leitor" e a "obra lida"), o abraço apertado dado ao real humano e físico representados. Há olhos que nos interpelam, ocultações que nos inquietam, movimentos que nos franqueiam entrada para outros universos, angústias que nos confrontam.
Angústia outra é a de Augusto Raínho quando, subrepticiamente, manifesta que nem os olhares nem os abraços o satisfazem. Por isso - para além do registo e da interpretação de Castelo de Vide e dos seus habitantes - teve necessidade de utilizar a câmara e os elementos disponíveis para apresentar uma imagem modificada da realidade, introduzindo-lhe a sua subjectividade (quase filosófica) para a tornar obra de Arte.
Terá resolvido a angústia inerente à impossível representação/reprodução do mundo? Nunca os analgésicos ou os anestésicos fizeram desaparecer uma dor. Por isso, os artistas não param de escrever, de compor, de pintar, de fotografar - em busca de uma serenidade que nunca alcançarão, mas de que necessitam como pão para a boca.

(Olhar e Abraçar Castelo de Vide, de Augusto Raínho, ed. Fundação Nossa Senhora da Esperança, 2007)

José do Carmo Francisco


A misteriosa chama da Rainha Loana

de Umberto Eco

A partir de um AVC que o protagonista da história sofre em 25-4-1991 e das complicações inerentes («Não, o senhor não se chama Ismael. Faça um esforço.») há nestas 414 páginas um regresso à infância: os livros, a escola primária, as brincadeiras, a catequese, a rádio: «Sabes que não sou saudosista mas às vezes apetece-me ouvir os hinos fascistas, para me sentir de novo como naquelas noites ao pé do rádio.» O AVC acontece em Milão, a convalescença é em Solana, na casa de campo do avô do protagonista: «Tinha uma loja na vila onde eu nasci, quase um armazém de livros velhos. Não livros antigos e com valor, apenas livros usados e muitas coisas do século XIX.» É no sótão da casa do avô que, ao longo de oito dias de paixão, entre caixas (cigarros, sabão, selos, biscoitos, comprimidos, brilhantina, aparos, cacau) surge o título deste livro em banda desenhada, A misteriosa chama da Rainha Loana, uma história um bocado parva: «Aquilo que tinha fecundado na minha memória não tinha sido a história em si mas o título. Uma expressão como a misteriosa chama tinha-me enfeitiçado para não falar no suavíssimo nome de Loana, embora na verdade fosse uma pequena galdéria caprichosa disfarçada de bailarina. Tinha vivido durante todos os anos da minha infância cultivando não uma imagem mas um som

(Edição: Círculo de Leitores, Capa: João Rocha, Tradução: Simonetta Neto)

ANO NOVO

Eis-nos entrados em 2008, com maior peso sobre os ossos e certamente menos ilusões. Nele ingressámos não com o pé direito (provocaria desequilíbrio), mas com os dois pés bem assentes na terra, que o tempo não está para brincadeiras.
O Presidente, com esperteza e sensibilidade - tentando levar-nos a esquecer os dez anos em que geriu o país -, alertou-nos para os problemas do Portugal dos nossos dias (mas haverá alguém que ainda não tenha dado por deles... mesmo aqueles que tentam tapar o sol com a peneira?): a erosão da exigência e da responsabilidade na Educação, o acentuar da desertificação humana dos meios rurais interiores e litorais por políticas desastradas ou mal-intencionadas, a quase-total descrença no sistema judicial, as falsas políticas de promoção da natalidade, o desemprego, o abismo entre ricos e pobres, etc., etc., etc.. São realidades que nenhuma propaganda irá esconder... Entretanto recebemos mensagens (sms) de amigos que nos escrevem de longe: a Ana, que partiu para Inglaterra; o André, que por lá anda; a Emília e o Vítor, que só na América viram o seu valor reconhecido; a Paula, que ficará pela Alemanha... Unamuno escreveria: "Que desgraçado país!"
Lá fora, assistimos com preocupação ao processo de instalação da anarquia no Paquistão, estratégia dos terroristas para melhor chegarem às armas atómicas com que querem ameaçar-nos e, quiçá, destruir-nos. Vemos, entretanto, como nuvem cinzenta a possível subida de um politicamente-correcto ao poder global - que nada resolverá, com grandes riscos para todos nós.
Apesar tudo, resta-nos a Esperança, a Esperança num Homem que saiba entender os sinais dos tempos, desvelar e acolher a Luz onde quer que ela se manifeste. Só a Esperança nos salvará! É neste princípio - acreditando nela - que vos desejo um 2008 muito feliz.

(Na imagem, uma foto de André Alface.)

José do Carmo Francisco

Cristovam não é Cristóvão
ou
Esta juventude é um espanto…

A história é complicada mas conta-se em poucas palavras. Tenho dito e escrito já diversas vezes que Portugal é um país de analfabetos e que um escritor é sempre outra coisa. Costumo explicar esta ideia com o caso Alves Redol. Tendo eu vivido em Vila Franca de Xira entre 1961 e 1966 descobri que as pessoas da terra, mesmo as de esquerda, davam mais importância à D. Inocência Redol que tinha um colégio de meninas do que ao escritor António Alves Redol seu irmão. Na revista «Pública» sai há pouco tempo um trabalho do jornalista Adelino Gomes sobre a minha turma de 1962 que deu gente importante a este país. Mas a história é agora outra.
Descobri num livro chamado Jardins com história (Edições Inapa) com coordenação de Cristina Castel-Branco um conjunto de citações de poetas e de ficcionistas portugueses: Fernando Pessoa, Sophia, Miguel Torga, Eça de Queirós, António Gedeão, Sebastião da Gama, José Régio, Camilo Pessanha, Frei Agostinho da Cruz e Cristovam Pavia. E aqui é que surge o problema: nas páginas 58, 94 e 156 deste livro aparece escrito o nome do poeta como Cristóvão Pavia quando toda a gente sabe (devia saber…) que o nome é bem Cristovam Pavia. Também igualmente grave é o facto de aparecer como título do livro de onde é feita a citação «Círculo de Poesias» quando o «Círculo de Poesia» é o nome mas da colecção da Moraes Editores em cujo catálogo também tenho dois livros. Sei do que falo. Já agora o nome civil do poeta é bem Francisco António Flores Bugalho e a sua vida civil decorreu entre 1933 e 1968. Mas isso já é outra história. O Jô Soares tinha razão: esta juventude é um espanto…