A MORTE DUM MORIBUNDO




A morte é triste nem que seja num gato - costuma dizer-se na minha aldeia. Mais triste se torna a notícia quando diz respeito a alguém ou a algo que faz parte da nossa história pessoal.

A morte do jornal O Distrito de Portalegre, após 126 anos de publicação, não me deixou indiferente. Foi nas suas páginas que publiquei o meu primeiro texto (tinha 16 anos), foi nas suas páginas que dei à estampa inúmeras crónicas e textos sobre o património regional, foi no seu espaço que coordenei com Nicolau Saião o suplemento cultural Fanal, que editou centenas de textos, alguns de nomes importantes da cultura luso-brasileira, como João de Melo, António Cândido Franco, C. Ronald, Carlos Reis, Dinis Machado, José Manuel Anes, Matilde Rosa Araújo, Manuel Poppe, Miguel Jorge, etc..

O anúncio da extinção do jornal não foi no entanto uma surpresa para mim. Apesar de o pretexto serem as suas dificuldades financeira, de há uns tempos a esta parte vira completamente adulterada a sua matriz genuinamente cristã, de abertura do mundo e à liberdade de expressão. Tirando o tempo em que foi dirigido pelos padres João Mendonça e João Coelho, os períodos em que foi dirigido pelos presbíteros José Patrão e Nuno Folgado (o seu coveiro) tornaram-no num órgão sem qualquer pudor no exercício discreto da censura e da manipulação informativa (nisso não divergindo muito doutros colegas editados na cidade que acolheu José Régio). Custa-me escrevê-lo, mas mais vale assim; mais vale uma morte do que a sua sobrevivência por caminhos que nada têm a ver com a estrutura da dignidade cristã (que nunca dispensará a liberdade).
POEMAS DA MONTANHA
de Frei Agostinho da Cruz



Fosse Portugal um país com consciência  e dignidade cultural - e a publicação de uma antologia do poeta Frei Agostinho da Cruz seria um acontecimento relevante. Jacobinos e incultos como vamos sendo cada vez mais, ignoramos (ou fazemos por ignorar) tudo quanto não entre no campo da celebridade bacoca ou influente. Por isso participei - como quem praticou um acto de justiça - na apresentação de Poemas da Montanha, publicado pelas Edições Serra d' Ossa. Um caminho para me encontrar com um dos mais significativos poetas de língua portuguesa.
INSTRUMENTOS DE SOPRO
Apresentação na Biblioteca da Escola Básica de Azeitão


Aceitei com relutância inicial o convite da directora da Biblioteca Escolar para apresentar o meu novo livro no lugar onde trabalho. Ao longo destes anos de existência poética (não de "vida literária"), se nunca quis separar desta actividade paralela as pessoas que todos os dias me acompanham na minha actividade docente, tentei sempre distinguir os dois mundos, o do ganha-pão daquele a que sou interiormente obrigado (o da escrita). Apenas pudor? Talvez.



A sessão decorreu, contudo, com uma dignidade ímpar. Todos os momentos acontecidos nesse 22 de Abril de 2010, vésperas do Dia Mundial do Livro, foram vividos de modo a ficarem na memória. Desde as intervenções das escritoras/colegas Teresa Martinho Marques e Teresa Lobato aos acordes à viola do Vasco e do Tiago, passando pelas palavras da Luísa Marques (directora da BE) e da Clara Félix (directora do Agrupamento de Escolas) e pela presença de alunos, encarregados de educação, colegas e amigos, alguns vindos de longe.




Na minha intervenção tentei sublinhar que Instrumentos de Sopro - sendo a reedição aumentada de um livro publicado em Espanha - é, sobretudo, a manifestação de diversos caminhos materiais que me levaram ao encontro do sopro (jubiloso ou doloroso) que transforma a existência em Vida. Aproveitei ainda para homenagear discretamente os poetas da terra, Frei Agostinho da Cruz e Sebastião da Gama, transmitindo aos presentes a minha convicção de que, mais importante do que escrever, o segredo está numa leitura constante e atenta dos outros.





Festival Tordesilhas
— Poetas de Língua Portuguesa




O Festival Tordesilhas — Poetas de Língua Portuguesa, que acontecerá entre os dias 5 e 7 de maio de 2010, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, é um encontro internacional que reunirá poetas do Brasil, Portugal e África para um ciclo de palestras, debates, recitais e performances, com o objetivo de ampliar o diálogo entre os autores dos países de língua portuguesa. Entre os temas abordados no encontro estão os seguintes: "A poesia de língua portuguesa na era da globalização", sobre a repercussão das literaturas escritas em nosso idioma na nova ordem internacional; "O diálogo literário entre Brasil e Portugal", e "A poesia contemporânea de língua portuguesa em países africanos". O evento, que tem a curadoria dos poetas brasileiros Virna Teixeira e Claudio Daniel, contará também com recitais, performances, lançamentos de livros e revistas de editoras brasileiras e portuguesas.

A primeira edição do Festival Tordesilhas foi realizada em 2007, em São Paulo, também com curadoria de Virna Teixeira e Claudio Daniel, e contou com cerca de 25 convidados estrangeiros ibero-americanos, entre eles o uruguaio Roberto Echavarren, a argentina Tamara Kamenszain, os espanhóis Adolpho Montejo Navas e Joan Navarro e a mexicana Coral Bracho, para citar alguns. O festival reuniu também poetas de vários estados do Brasil.



PROGRAMAÇÃO



Data: 5 a 7 de maio de 2010
Apoio: Embaixada do Brasil em Portugal, Casa Fernando Pessoa



Curadoria: Virna Teixeira e Claudio Daniel



Dia 5 de maio:
19h Abertura - O diálogo literário entre Brasil e Portugal, com Horácio Costa (Brasil), Casimiro de Brito (Portugal) e Claudio Daniel (Brasil). Moderadora: Virna Teixeira
20h Recital - Ana Marques Gastão (Portugal), Simone Homem de Mello (Brasil), Horácio Costa (Brasil), Nuno Júdice (Portugal), Jorge Velhote (Portugal).
21h Apresentação do livro Amo Agora e da plaquete Amor Cego & outros poemas de amor, com Casimiro de Brito e Marina Cedro. Exposição de revistas literárias e livros de poesia de língua portuguesa.



Dia 6 de maio:
19h Debate - A poesia contemporânea de língua portuguesa na África, com Jorge Arrimar (Angola), Jorge Viegas (Moçambique) e Delmar Maia Gonçalves (Moçambique). Moderador: Claudio Daniel (Brasil).
20h Recital - com Jorge Arrimar (Angola), Catarina Nunes de Almeida (Portugal), Jorge Viegas (Moçambique), Aurelino Costa (Portugal), Delmar Maia Gonçalves (Moçambique).
21h Apresentação do livro Escrito em Osso, do poeta Claudio Daniel, publicado pela editora Cosmorama. Video-corpo-poema, com Eduardo Jorge (Brasil).



Dia 7 de maio:
19h Debate - A poesia de língua portuguesa na era da globalização. Com João Miguel Henriques (Portugal) e Virna Teixeira (Brasil). Moderador: Eduardo Jorge (Brasil)
20h Recital - Jorge Velhote (Portugal), Eduardo Jorge (Brasil), João Miguel Henriques (Portugal), Ruy Ventura (Portugal), Virna Teixeira (Brasil).
21h Apresentação do livro Ravenalas, de Horácio Costa (editora Demônio Negro) Apresentação da plaquete "Entulho", de João Miguel Henriques, pela Arqueria Editorial



POETAS CONVIDADOS



Portugal:
Ana Marques Gastão
Aurelino Costa
Casimiro de Brito
Catarina Nunes de Almeida
João Miguel Henriques
Jorge Melícias
Jorge Velhote
Nuno Júdice
Ruy Ventura



Brasil:
Claudio Daniel
Eduardo Jorge
Horácio Costa
Simone Homem de Melo
Virna Teixeira



Angola:
Jorge Arrimar



Moçambique:
Delmar Maia Gonçalves
Jorge Viegas

UM POEMA DE
"INSTRUMENTOS DE SOPRO"




1.
nascente








há objectos dentro do nevoeiro
sob o local do nascimento.
nenhuma arquitectura. algumas palavras.
um prenúncio de morte
ao contemplar a fechadura desta porta.
com nitidez, um lugar (interrompido) –
uma voz vinda de longe, do fundo
dos tempos.



*



uma árvore cresceu.
afasta as raízes. atravessa
uma estrada tantas vezes percorrida.
não há caminhos semelhantes.
apenas veredas.
entre a raiz e o tronco da árvore –
uma presença. um lugar
sem espaço, ainda sem memória.
este nascimento – sem tempo
nem lugar.



*



o espaço consegue estender-se.
torna-se memória.
as imagens misturam-se.
o som prolonga-se
sem que consiga separar-me
do seu voo.
os fotogramas dividem-se.
alicerces e pilares
vislumbram o edifício
onde guardámos
uma lápide quebrada.



*



o texto desaparece.
foi escrito a sépia, muito claro.
o mundo emerge. revela
imagens, uma data
impressa sobre a pele,
alicerces, estilhaços
que ficaram no cabelo.
para sempre.



*



sob a estrada, junto das águas –
vestígios de sangue.
consolidam
(fazem oscilar)
todo o edifício.
procurámos uma cidade.
encontrámos a ruína:
um lugar – pedaço de pele
arrancado à superfície
do nosso corpo.



*



um livro
prestes a regressar
à forma da origem?
um texto
sem legenda?
a eloquência permanece
apesar da água.
o mundo avança.
espera, entre a sombra e a ruína,
chuva lavando a tarde
e esta ferida.



*



algumas palavras
traçam a sangue
um caminho diferente.
nenhum isolamento nos protege.
as telhas estalam. o tecto
é desenhado pela água.
o vento e o granizo quebram
a vidraça.



*



a rapidez da erosão desfaz
o terreno, a rocha, a estrada.
tudo.
o tronco da árvore estala.
as perguntas ficam.
o incêndio separou dois mundos
sem que possível fosse
analisar o sangue (ou a água).



*



o corpo desaparece
dentro da cidade.
as raízes rebentam
a calçada.
uma casa cresceu.
uma casa cresceu
mas só aqui a posso encontrar.




"INSTRUMENTOS DE SOPRO" PODE SER COMPRADO AQUI:
http://www.wook.pt/ficha/instrumentos-de-sopro/a/id/5788924/filter/
(e com desconto...)

Sublime esta fotografia de Joaquim Cardoso Dias, como sublimes são os quadros e Caspar David:
NOVA DATA
PARA APRESENTAÇÃO DE "INSTRUMENTOS DE SOPRO"
EM AZEITÃO


Era para acontecer mas não aconteceu. Por motivos alheios ao autor, ao livro, aos participantes na sessão e à própria biblioteca. Sucedeu uma daquelas brincadeiras de mau gosto que costumam animar as escolas com grande aparato canino e policial. É já a segunda neste ano.

Sendo assim a apresentação do livro de poemas "Instrumentos de Sopro", da autoria de quem lhe escreve, foi adiada para a próxima 5ª feira, 22 de Abril, pelas 19 horas, no mesmo local: Biblioteca da Escola Básica 2, 3 de Azeitão.
Será uma honra contar consigo!

Ruy Ventura