ÁNGEL GONZÁLEZ (1925-2008)

Soube da sua morte ontem, através do blogue do poeta Álvaro Valverde, que assim escreveu:
"Ha muerto uno de nuestros mejores poetas del XX. Como mi amigo Josemari, lo tuve como uno de mis maestros, aunque con el tiempo dejara de ser uno de mis autores de cabecera. Con todo, libros como Tratado de urbanismo o Muestra... siempre formarán parte de la biblioteca de mi vida. Tampoco puedo olvidar sus textos sobre Machado y Juan Ramón.Me encontré con él en algunas ocasiones pero sólo llegamos a saludarnos. La primera, en presencia de Luis Muñoz, en la fiesta del Loewe del 92, en el Círculo de Bellas Artes de Madrid. De su biografía, destacaría su paso por la escuela, entre las nieves de sus montañas asturianas, con la enfermedad y la postguerra a cuestas. Aníbal Núñez me contó que la poesía de González fue una referencia fundamental en sus comienzos. En el libro que le dedicara Debicki (en la memorable colección Los Poetas, de Júcar), me encuentro un recorte de El País donde se anunciaba su boda con Susana Rivera. Entre los asistentes, Dulce Chacón. Era, según creo, el año 90."
Foi com tristeza que recebi a notícia. Era um dos poetas de Espanha que me apetecia ler com frequência. Aqui ficam, em jeito de homenagem, três poemas que dele traduzi:



Para que eu me chame Ángel González

Para que eu me chame Ángel González,
para que a minha existência pese sobre a terra,
foi necessário um largo espaço
e um longo tempo:
homens de todo o mar e toda a terra,
férteis ventres de mulher, e corpos
e mais corpos, fundindo-se incessantes
noutro corpo novo.
Solstícios e equinócios alumiaram
com sua cambiante luz, seu variado céu,
a viagem milenária da minha carne
escalando pelos séculos e pelos ossos.
Da sua passagem lenta e dolorosa
da sua fuga até ao fim, sobrevivendo
a naufrágios, aferrando-se
ao último suspiro dos mortos,
já não sou mais do que o resultado, o fruto,
o que fica, apodrecido, entre os restos:
isto que vedes aqui,
apenas isto:
um escombro tenaz, que resiste
à sua ruína, que luta contra o vento,
que avança por caminhos que não levam
a sítio algum. O êxito
de todos os fracassos. A enlouquecida
força do desalento...

(in Áspero mundo, 1956)



Cidade zero

Uma revolução.

Depois, uma guerra.

Naqueles dois anos – que eram
a quinta parte de toda a minha vida –
eu havia experimentado sensações distintas.

Imaginei mais tarde
o que é a luta na qualidade de homem.
Mas para mim, criança,
a guerra era apenas:

suspensão das aulas na escola,
Isabelita em cuecas na cave,
cemitérios de automóveis, andares
abandonados, fome indescritível,
sangue descoberto
na terra ou nas pedras da calçada,
um terror que durava
o mesmo que o frágil rumor dos vidros
depois da explosão,
e a quase incompreensível
dor dos adultos,
suas lágrimas, seu medo,
sua ira sufocada,
que, por alguma ponta,
entrava na minha alma
para desvanecer-se logo, rapidamente,
perante um dos muitos
prodígios quotidianos: descobrir
uma bala ainda quente,
um incêndio
de um edifício próximo,
os restos de um saque
– papéis e retratos
no meio da rua...

Tudo passou,
é tudo confuso agora, tudo
menos aquilo que apenas entendia
naquele tempo
e que, anos mais tarde,
ressurgiu dentro de mim, então para sempre:

este medo difuso,
esta ira repentina,
estas imprevisíveis
e verdadeiras vontades de chorar.

(in Tratado de urbanismo, 1967)



Velho tapete

Toda a gente era pobre naquele tempo,
todos entreteciam
sem o saber
– e às vezes sorriam –
os fios de tristeza
que formavam a trama da vida
(inconsistente tela, mas
que fio teimoso, a esperança).
Umas linhas
de amor douravam
uma ponta daquele tapete sombrio
na qual eu era um menino que corria
não sabendo de quê ou para onde,
talvez para o espaço luminoso
que urdiam incansáveis
as obstinadas mãos amorosas.

Nunca cheguei a essa luz.
Quando ia alcaná-la,
o tempo, mais veloz,
já a tinha apagado, com a sua pátina.

(in Otoños y otras luces, 2001)


Nota: Qualquer das três traduções apresentadas foi publicada inicialmente na antologia 20 Poetas Espanhóis do Século XX, organizada por Antonio Sáez Delgado e por mim vertida para a nossa língua (Coimbra, Alma Azul, 2003), na qual se incluem ainda poemas de Miguel de Unamuno, Antonio Machado, Juan Ramón Jiménez, Pedro Salinas, Jorge Guillén, Vicente Aleixandre, Federico García Lorca, Luis Cernuda, Rafael Alberti, Miguel Hernández, Blas de Otero, José Hierro, José Ángel Valente, Jaime Gil de Biedma, Francisco Brines, Claudio Rodríguez, Pere Gimferrer, Antonio Colinas e Leopoldo Maria Panero.

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