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Primeira publicação do poema de Dinis Machado divulgado na última revista Ler: Fanal, suplemento cultural d' O Distrito de Portalegre, nº 13, 25/5/2001. Entretanto o texto já recebera publicação antológica neste blogue, no passado dia 9 de Novembro de 2006.
(Carregue na imagem para aumentar.)
FIRMINO MENDES


Alentejo

Escolhe-se uma palavra no plural – ondulações,
para poder dizer tudo o que és, com cheiro
a papoila e a montado, a coentros e orégãos,
à volta das casas brancas. A terra é de mais
– ondulada volteia, gira na distância plana.

À porta dos montes ladram alguns cães
– os mesmos que rodeiam os rebanhos
que transportam a música pelos valados.

Aos largos das vilas chegam alguns homens
– os mesmos que afagaram e bafejaram a terra
e esperam a morte como um surdo regresso.

Tão forte – tão de pão, vinho e cortiça.
Tão frágil – de aromáticas ervas na cozinha.

Tão ondulado – o pão, as migas.
Tão áspero – a cortiça, os cardos.
Tão doce – conventuais delícias.


Outro Alentejo

O céu múltiplo à noite, no monte abandonado às aves
ou esta festa de gente para o girassol que nasce:

– as casas térreas brancas alongadas, os poços redondos,
as cegonhas, as garças, a nespereira cheia, o tronco negro
dos sobreiros cheios de cortiça, as figueiras, as roseiras bravas,
a semente das papoilas no inverno.

Que flor lilás cobre o campo de Maio,
ao lado da camomila branca e do malmequer?

A luz dos olhos: – este texto branco ao lado das casas,
como o rebanho que passa em plano, cobrindo tudo e mostrando
as cores dos corpos, dos figos, das pedras, da alfarroba.
Quem poderá dizer o berço das memórias?

Tão perto parou o tempo: – parece um verso dizê-lo ou um silêncio
neste montado onde adormecem todos os animais perdidos.

A cortiça tem a sombra das figueiras, ao lado da casa, ou um caminho
de vento para a viagem. De quem a corta poucos falarão no poema
e de quem a afaga nunca se falará neste lugar entre mar e Espanha,
tão múltiplo como o céu que o protege.

(nº 14, 29/6/2001)
DINIS MACHADO


II Soneto para Cesário
(escrito há 40 anos)

Se te encontrasse, agora, na paisagem
nocturna dos fantasmas da cidade,
contava-te dos nossos pobres versos
no teu rasto de sombra e claridade

Contava-te do frio que há em medir
a distância entre as mãos e as estrelas,
com lágrimas de pedra nos sapatos
e um cansaço impossível de escondê-las

Contava-te – sei lá! – desta rotina
de embalarmos a morte nas paredes,
de tecermos o destino nas valetas

De uma história de luas e de esquinas
com retratos e flores da madrugada
a boiarem na água das sarjetas

(oferta e celebração a José do Carmo Francisco no dia do seu 43º aniversário)

(nº 13, 25/05/2001)

Antologia “Fanal”


DINIS MACHADO


The high window

Há pombos esquecidos nas estátuas
desta cidade antiga, naufragada.
Mastros de sombras escrevem o teu nome
e em cada letra reconheço a madrugada.

Mulheres e homens, enlaçados de cansaço,
dormem um sono fundo, com raízes.
Das margens deste sono se levantam
as pedras das palavras que não dizes.

Foge o mar dos meus dedos entre a noite
e a noite é uma canção que te procura.
Nos meus olhos ardem estrelas encharcadas
que rodeiam de azul a tua alma.

Cada esquina é um cais à tua espera.
Faróis e candeeiros chamam por ti.
Como um sonho deslizo e permaneço
na rua da janela onde te vi.

Finalmente os pombos são largados,
partindo desta estátua que tu és.
Parto nas tuas asas. Deixo aqui
este poema que te beija os pés.


(nº 11, 23/3/2001; na imagem, uma foto de Dinis Machado, por Augusto Cabrita)

Antologia “Fanal”


JOÃO CANDEIAS


sobre a planície

assim com o sempre virgem
primeiro olhar, me chamaste
com tua voz cálida de planura
como um pedido de auxílio
para o minuto que, seguinte,
não saberás nunca onde acaba
acatar então esse travelling sobre o trigal
porque aqui estou também descobrindo
o lento movimento do calor
do ventre da terra, o tremor
das linhas de fuga.
linhas de fuga que nos mantêm firmes
à rigidez do solo.
bebe agora o fino e raro rio que percorre
o teu sempre virgem primeiro olhar
e sacia o teu corpo e o meu
de quem reclamas o futuro.
pela madrugada uma jovem multidão
invade as casas vazias
salta sobre as metástases
dos muros velhos
conta os instantes
que não saberás nunca onde acabam
e habita a dor da pedra que cobre de angústia
a noite e o silêncio

(nº 11, 23/3/2001)