O coordenador do Estrada do Alicerce parte hoje para férias.

Deseja a todos os leitores um descanso frutuoso.

Até princípios de Setembro!

DIÁLOGO INCESSANTE
Ruy Ventura conversa com Wilmar Silva

Não mais esquecerei o nosso almoço no Portinho da Arrábida. Depois de uma sessão de leitura de poemas e duma conversa com gravação em vídeo, depois da troca de livros – dele recebi um belíssimo e invulgar Estilhaços no Lago de Púrpura, assinado por “Joaquim Palmeira” em homenagem ao avô (quanto o compreendo… - a expressão ressuscita), ficámos por ali a degustar palavras e alimentos, lançando pontes e passadiços entre nós, entre Portugal e o Brasil. A conversa com o poeta brasileiro Wilmar Silva, que agora publico, nasceu já posterior. Surgida da necessidade de prolongar um diálogo – serve também para dar a conhecer um poeta cujas linhas de fuga merecem a nossa visita.

Está em fase de conclusão, tanto quanto sei, o teu projecto de cartografia do território poético de língua portuguesa. Que balanço fazes dessa viagem?

É uma das mais belas viagens da minha vida. Imagine, Ruy, trabalhar com a poesia que é a beleza de todas as belezas e é o objeto de prazer de toda a minha vida desde sempre. A exemplo da minha poesia que tem como provocação a sinergia da língua, “Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua, antropologia de uma poética” é um projeto que tem como liberdade pesquisar as diferentes vozes poéticas contemporâneas do mundo português. Pensando em Minas Gerais, Portugal, Guiné-Bissau e Cabo Verde, primeiros lugares objeto de meu olhar, mais de 100 (cem) poetas se tornaram co-autores da mais vasta antologia de poesia em língua portuguesa, em processo de leitura e escolha de poemas.

Saramago admitiu há poucos dias que só ganhou o Nobel porque era conhecido, quando outros mais importantes do que ele ficaram para trás, porque não tinham marketing a apoiá-los. Que pensas da posteridade literária?

Penso que enquanto eu estiver vivo trabalharei com poesia, porque a poesia é a minha vida e o meu mundo. Nasci no interior de Minas Gerais, sou filho de lavradores que não distinguem a diferença entre o a e o z, então, o que desejo é saúde para amanhecer com a boca no sol para continuar fazendo aquilo que é tão imaterial que é

meu material de existência. Claro que eu não sou um ingênuo ao ponto de pensar que marketing não existe. Eu acredito na vida e em tudo que nasce da vida. Mas acredito que é preciso, urgente, acreditar que somos diferentes porque somos plurais, e porque somos plurais somos a esfera de um coletivo que tem os infinitos aros de “eus”.

Entre os autores que entrevistaste houve nomes conhecidos e outros quase desconhecidos. Pensas que os primeiros correspondem a uma real importância ou haverá inversão de critérios?

Sim, haverá inversão em todos os sentidos, porque as minhas luas não são as mesmas luas de ninguém. E é também por acreditar na existência de outros poetas e outras verdades que passei a trabalhar em projetos que tem como natureza o entrecruzar de linguagens.




Em comparação com outras poéticas existentes no mundo, que pensas do peso da poesia escrita em língua portuguesa no nosso tempo?

Não conheço o suficiente as outras poéticas existentes no mundo, mas posso afirmar que a poesia que se produz com a língua portuguesa tem poéticas de invenção. E também se faz poética de invenção mesmo quando é verbal. A poesia é a origem da língua e a língua portuguesa são as muitas línguas portuguesas. E a poesia é uma molécula que coloca o homem diante dos seus problemas e diante do próprio homem multiplicado em mineral, vegetal, animal.

Nota-se um crescente interesse mútuo entre portugueses e brasileiros no que respeita à cultura. Pensas que a estratégia seguida é a adequada ou seria desejável outra?


Acredito que é preciso entender o que é política, o que é educação, o que é cultura. Ninguém é apolítico. Educação não é o mesmo que cultura. Cultura não é o mesmo que educação. Compete, sim, aos poderes públicos provocar a emancipação da cidadania. Mas compete a todos entender que somos a semente de um girassol que é o cosmos. E o araçá azul pode nascer entre gabirobas. O cobra norato entre selvagens. O catatau entre bichos preguiça. O discurso da difamação do poeta entre concretos. Galáxias entre verbivocovisuais. Poema sujo fora do Maranhão. Paranóia na Paulicéia. Desvairar é um substantivo dos mais verbais. Eu faço. Tu fazes. Ele faz. Nós fazemos. Vós fazeis. Eles fazem. Vamos conjugar os verbos em nós. E aprenderemos que somos aquilo que pensamos. E sonhamos. Desde que haja trabalho e se persista.


Que poetas brasileiros precisam os portugueses conhecer melhor? E que portugueses seria preciso divulgar mais no Brasil?

Quase todos os poetas conhecidos ou não em Portugal são desconhecidos no Brasil. E quase todos os poetas conhecidos ou não no Brasil são desconhecidos em Portugal. O problema não é apenas entre Brasil e Portugal e Portugal e Brasil. “Portuguesia” é uma política de atitude de chegada ao território dos problemas da poesia. Poesia e poéticas. Poesia e linguagens. Poesia e mercado. Poesia e atitude de poetas. Poesia e atitude de editores entre poetas. Participarei em novembro de 2008 do Fórum das Letras em Ouro Preto com Luís Serguilha e Jorge Melícias onde a provocação é puxar o poeta de suas margens para o centro das atitudes.

Há poucos meses publicou-se em Portugal uma antologia intitulada "Oiro de Minas". Consideras que a poesia mineira tem mesmo um carácter central no teu país?

A antologia “Oiro de Minas a nova poesia das Gerais” apresenta 10 (dez) autores em atividade no Brasil. É claro que existem muitos outros poetas em Minas Gerais e no Brasil. E poetas de altas voltagens que dariam para fazer mais que 10 (dez) “Oiro de Minas” ou de Goiás, e talvez do Triângulo que é um estado que não existe. A poeta Prisca Agustoni mostrou um dos olhos do girassol.

O acordo ortográfico tem causado muita polémica em Portugal, nomeadamente porque muitos o consideram pouco explícito e revelador de pouco respeito pela diversidade da língua. Que pensas disto? Achas que o acordo irá melhorar as relações entre os povos de língua portuguesa?

Nenhuma língua existe parada em si mesma. As línguas vivem em estado de sexo. Metamorfose. Liberdade. Fotossíntese. Mas nem um acordo mudaria a lingüística de Patativa do Assaré. Porque o Brasil inventou uma dicção friccionada pelo vapor dos trópicos. Mas eu sou a favor do acordo ortográfico porque a supremacia de uma língua se deve ao poder que o povo de uma língua tem diante do mundo. Por que não se fala quase nada de guarani no Brasil? Por que o latim perdeu sua hegemonia?

Na tua poesia, nomeadamente em "Estilhaços no Lago de Púrpura", nota-se um ritmo xamânico à procura do transe e da alucinação de um corpo em metamorfose. Concordas com esta leitura? Que penso têm na tua obra as culturas indígenas do povoam/povoaram o Brasil?

A minha poesia tem a devastação dos vendavais. Sejam “Cachaprego” ou “Estilhaços no Lago de Púrpura”. “Arranjos de Pássaros e Flores” ou “Anu”. Os originais “Z a Zero”, “O beijo de Rimbaud”, “Salmos Verdes”, etc. “Yguarani”, no prelo pela Cosmorama Edições, Portugal, apresenta as culturas de margem que existem no Brasil de onde vim que são materiais de minha linguagem. Difícil assimilar a minha língua poética porque a minha poesia é a poesia viva de uma pessoa em estado de infância. “Estilhaços no Lago de Púrpura” é “Jadis, si je me souviens bien, ma vie était un festin où s`ouvraient tous les coeurs, où tous les vins coulaient.”

Se o nome é uma síntese da identidade, qual das tuas faces é a mais verdadeira, Wilmar Silva ou Joaquim Palmeira?

Wilmar Silva ou Joaquim Palmeira sou eu. Eu e os eus e o nó e os nós.

De que maneira se estrutura na tua poesia uma figura autoral poliédrica, múltipla, mutante? Haverá nela vestígios de heteronímia?

Ruy, o que posso afirmar é que todos os meus excessos poliédricos, múltiplos, mutantes, são de um camaleão humano que tem dois olhos, um nariz, uma boca, uma língua, muitas línguas, duas pernas, dois joelhos, muitos e infinitos rastros, e uma vontade de inventar a poesia.

Sei que no Brasil ainda estão vivas as heranças da poesia experimental e da arte surrealista. Recebeste algum testemunho destas linhas de fuga do fazer poético?

Devorei essas e outras heranças, experimentais ou não, surrealistas ou não, para eu nascer, para eu ser, para eu chegar ao infinito eu vivo.

Como vês o papel da poesia numa sociedade em que os valores - como referiu Salman Rushdie numa crónica - são o Dinheiro e a Celebridade?

Poesia não tem nada a haver com o dinheiro e a celebridade, mas o problema é não ganhar dinheiro com poesia e não se tornar célebre.

O poeta é sempre um actor?

O poeta é um poeta de si e de outros sis, de outros outros, e de todos os outros outros.

Para quando a edição da tua antologia monumental da poesia de língua portuguesa? Que projectos se seguirão?

Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua, antropologia de uma poética” tem lançamento mundial em novembro de 2008, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E em 2009 partirei para Moçambique. Angola. São Tomé e Príncipe. Timor Leste. Goa. Macau. E a Galiza.



(Fotos de Branca de Paula e Ozias Filho.)
José do Carmo Francisco

Da poesia, da oração, do amor e da morte
(texto lido recentemente em Madrid, na Casa da Galiza)

Os Estados existem com seus rituais, suas fronteiras e seus hinos mas as pessoas, sejam essas pessoas cidadãos ou súbditos, não se regem pela mesma norma.
Um exemplo: em Abril de 1897 disputou-se entre Madrid e Ávila o primeiro campeonato de Espanha de ciclismo de estrada, a prova que ficou conhecida como os «100 quilómetros de Ávila». Apesar de os favoritos serem oriundos de Réus, Valência e Torrijos, o vencedor foi José Bento Pessoa que veio com a sua bicicleta Raleigh duma cidade portuguesa chamada Figueira da Foz.
Outro exemplo: já em 1829 o pintor Bernardo López Piquer tinha registado em óleo sobre tela a figura de Maria Isabel de Bragança, portuguesa, mulher de Fernando VII, grande aficionada das Belas Artes e fundadora do Museu do Prado.
Serve este intróito para dizer que há aspectos na vida que fogem à rigidez das fronteiras sejam elas geográficas ou linguísticas. O Mundo é a nossa casa e embora haja nele cada vez mais ruído, mais indiferença e mais hostilidade, a poesia (tal como a oração) não desiste de se afirmar. O poeta (tal como o crente) junta de novo o que o silêncio, a distância ou o esquecimento (os outros nomes da morte) foram separando. O poema (tal como a oração) nasce de uma constatação infeliz porque o poeta sabe que o amor é sempre efémero enquanto a morte é sempre inevitável. Entre o precário do sentimento e o mais que certo destino do corpo, o poema é um grito de revolta contra a morte. Os primeiros poetas andavam de terra em terra e cantavam os seus poemas que eram apenas canções porque ainda não existia sequer a palavra literatura. Não precisavam de livros esses primitivos poetas tal como os crentes não precisam de mais nada para além das suas palavras ditas em voz baixa.
Num tempo que afirma o esplendor do ruído (basta entrar numa loja para sermos incomodados por uma impessoal música ambiente) a poesia (tal como a oração) reconduz a voz do ser humano ao que ela tem de mais puro, mais simples e mais fascinante – erguer com a fragilidade aparente da sua massa sonora uma barragem de amor contra a veloz e quotidiana opressão da morte. Nesta tarefa onde não há nem proporção nem harmonia, a poesia sabe (tal como a oração) que só o amor pode responder à morte. Mas é uma resposta sem volume nem quantificação. Porque para o amor não há medidas. Porque a única medida do amor é amar sem medida.
JOÃO MIGUEL HENRIQUES

Dois poemas


HOCHGOBERNITZ
(SEGUNDO THOMAS BERNHARD)


os primeiros assomos de loucura
trazem a destruição dos campos todos.
no traço inculto das coutadas
mingua a vida
repousam as alfaias

dos quartos vazios de gente
das terras vazias de tudo
sobram apenas muralhas
(ninguém se lembra)

há um prenuncio de tragédia
capaz de vergar os dias
aos trabalhos dolorosos

é o triunfo das gerações
sobre a antiga casa paterna
somente um reflexo de luz
um declínio inteiro

quando saio do quarto onde moro
e venho às muralhas
lembrar-me das coisas
reparo que as chuvas de inverno
vieram aqui para ficar


HORTELÃO


o hortelão arrebata à terra
os frutos e as pedras pequenas.
desenha com as unhas
a marca do seu turno
em redor dos frutos.
exibe nas mãos o machado.
dilui-se nas oliveiras
a cortar os pés de burro

a manhã derrama pelo céu
uma poça de nuvens densas
e só a terra colhida de pedras
é razão apenas
para as minhas amarguras.

In
O Sopro da Tartaruga, edição de autor, 2005


Blogue do autor:
www.quartosescuros.blogspot.com







Dentro de alguns dias
estarei por aqui
(Aljezur e Costa Vicentina).
Enquanto isso não acontece
agradeço a vossa visita aqui
DIVERSOS 13

Foi lançado no dia 3 de Julho o mais recente número da DiVersos, revista de poesia e tradução publicada pelas edições Sempre-em-Pé de há dez anos a esta parte.
Conta, desta feita, com textos de - entre outros - Brian Strang, Hugo Claus, José Ángel Valente, Lotta Olsson, Martín López-Vega, Miguel Ângelo, Pedro Tamen e Wladimir Saldanha. Entre as diferentes colaborações, permito-me destacar ainda um bloco com poemas de António Cabrita e a tradução, por Nicolau Saião, de produções de Louis Scutenaire - a quem pertence o poema que de seguida transcrevo.


PLUMAS PERDIDAS

Beethoven não ri nunca.

Os seus cabelos, os seus vestuários
são negros e os seus filhos mal amados.
Beethoven, velho de dois séculos
não abandona a minha bigorna
a minha bigorna de simples poeta.

Os seus olhos velados brilham
como a taínha nadando na lama.
CONTRA OS PRÉMIOS LITERÁRIOS

Concordemos ou não com ele, este artigo do poeta espanhol José Luis García Martín merece a nossa leitura e a nossa reflexação - sobretudo numa época em que os prémios literários pululam como cogumelos, com fiabilidade e resultados muito diversos.


(clique na imagem para aumentar)


POESIA NA CASA FERNANDO PESSOA
quinta, 3 de Julho, pelas 18 horas


Irá decorrer, na data assinalada, uma sessão de poesia na Casa Fernando Pessoa, na qual serão apresentadas as duas séries actualmente editadas pelas Edições Sempre-em-Pé: a revista DiVersos (de que será lançado o 13º número) e a colecção UniVersos.

Serão abordados livros novos do poeta alemão Tobias Burghardt - Rio Abaixo, Rio Acima - e do português Carlos Garcia de Castro - Gloria Victis - , sendo o primeiro apresentado por Maria Nazaré Sanches e o segundo por Rui Cardoso Martins.

No lançamento do novo número da revista DiVersos lerão poemas alguns autores (Cristino Cortes, João Miguel Henriques, J. T. Parreira e Ruy Ventura) e tradutores.

A entrada é livre. Será certamente um evento com muito interesse.