Jules Morot

COMOÇÃO DE NATAL

Sou um espião mais do que perfeito
os meus olhos as minhas mãos a minha silhueta
tudo o que aprendi tudo o que esqueci
tudo quanto vi Senhor depois da vossa morte
até as colheres de madeira e o prato rude
ao jantar
no começo da noite
mesmo as peúgas com buracos do meu primo
mesmo a camisa esfarrapada do meu pai
e os alegres tristes olhos da minha mãe
e quanto compramos sem pagarmos
e sem que alguém o pague

Tudo isso guardo no meu coração.

Nas noites nos dias da minha adolescência
quando me sentava a meditar
na pedra pintada de branco
no meio da horta da pequena Armandine
que me oferecia castanhas cozinhas no tempo de Outono
e me limpava a cara com um lenço de linho
olhando o meu suor de sangue.

Tudo isso é o meu tesouro
para si caro Senhor para os vossos anjos
para os vossos assistentes na floresta celestial
para os notários do vosso augusto Pai
sem esquecer o pequeno que vós fostes
e mesmo o mendigo que vos ajudou
a subir para o burrinho
que vos transportou até à porta Susa
naquele dia da Páscoa.

Perdoai-me assim, Senhor,
as minhas faltas
as minhas súbitas alegrias
os meus estranhos silêncios

e todos os poemas que ficaram só no pensamento.

(Tradução de RV)

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