NUMA ENCRUZILHADA DA PENÍNSULA
(publicado em tradução castelhana no nº 15 da revista Imagen de Extremadura)
Para quem chega de Jerez de los Caballeros – onde avulta, nas palavras do poeta Nicolau Saião, “uma torre singular” no meio da “serena alvura” dessa terra geradora de uma “comoção inexplicável” –, Fregenal de la Sierra apresenta-se como sucessora natural na viagem, com a sua herança também fenícia, romana, islâmica e templária. Muito próxima da mais raiana das localidades portuguesas – Barrancos – e a pouquíssima distância dos limites administrativos que separam a Extremadura da Andaluzia, a sua localização no mapa configura-a enquanto encruzilhada e, encruzilhada sendo, como ponto de encontro de povos e de culturas. Do outro lado, Aracena e a sua serra têm uma função semelhante (tanto mais que, num curto tempo da Idade Média, chegou a ser governada por um rei português). Barrancos, Fregenal e Aracena parecem ser, aliás, os vértices de um triângulo que, aos mais atentos, permite entender muito do que estrutura e argamassa a identidade raiana.
Os livros e outras fontes de informação dizem-nos que, entre os filhos mais ilustres de Fregenal de la Sierra, se conta o pintor Eugenio Hermoso. Se o artista de Badajoz que tanto aprecio – Luis de Morales, el divino – apresenta nas suas tábuas ora a doçura do olhar e dos gestos humanos ora a “alucinatória imagem da carne” (na expressão de Antonio Sáez, meu companheiro de crónicas raianas), as telas do autor serrano – que podemos apreciar nomeadamente num museu da cidade do Guadiana – mostram talvez melhor quanto nos atrai nessas terras: a inteireza da paisagem e dos rostos, a alegria ora expansiva ora recatada, a serenidade de um território peculiar, pleno de vegetação, resistente como os seus habitantes.
O melhor meio para chegar ao conhecimento das centenas de milhares de hectares que se estendem entre as duas localidades será, creio, o da caminhada. Não há melhor maneira de nos embebermos da paisagem e do povoamento de uma parcela do mundo – isto se não pudermos aproveitar a melhor de todas, a daqueles que deixam tudo para habitá-la, talvez para sempre. Pela serra de Aracena – mas também pelo território de Fregenal – são muitos os caminhos pedestres (assinalados ou por assinalar) que permitem ao viajante a convivência com o espaço. A pé – mas também a cavalo ou de bicicleta – é possível descobrir cumes e vales, bosques e clareiras, aldeias e campos, culturas e matagais, arquitectura popular e construções eruditas. De carro também, mas o gosto nunca será o mesmo… Pelas veredas ou pelas estradas, será sempre possível fazer paragens e alimentarmo-nos não só da contemplação visual, mas também – porque nem só do espírito vive o Homem… - dos deliciosos produtos que reforçam o corpo e estimulam o paladar, como os queijos, os derivados do porco preto, os cogumelos cozinhados com sabedoria, etc..
Por entre um património natural riquíssimo, entremeando azinheiras, sobreiros e castanheiros, há muito para ver nesta encruzilhada da Península. Desde os vestígios mais remotos à importante rede de fortificações andaluzes e templárias, passando por um impressionante conjunto de construções religiosas ou por múltiplas edificações vernaculares igualmente interessantes, na sua rudeza e simplicidade, temos ingredientes para muitos dias de encontro.
Se começarmos pela praça maior de Fregenal e nos demorarmos no seu castelo, nos seus conventos e igrejas (entre as quais destaco a muito concorrida ermida dos Remédios) e nas suas casas nobres, passando, já em Aracena, à visitação da sua fortaleza (com sedimentos islâmicos, portugueses e castelhanos), dos seus templos mudéjares ou de um conjunto de esculturas ao ar livre, terminando com uma descida ao interior do mundo, ao apreciarmos com tempo o esplendor das estalactites e das estalagmites da Gruta das Maravilhas – veremos muito, mas teremos sempre observado muito pouco.
Todo este território encostado a Portugal é muito mais rico física e culturalmente, tem muito mais a oferecer ao viajante, para nele existir, viver e conviver. A orografia favorece a multiplicação de expectativas e o mistério. E, se em Fregenal de la Sierra, uma “Casa do Sangue” nos recorda os horrores de que é capaz o ser humano, será sempre possível recuperar o ânimo e a esperança visitando o Convento de la Paz, na mesma localidade, ou bebendo em qualquer fonte da água oferecida pela Serra de Aracena.
(publicado em tradução castelhana no nº 15 da revista Imagen de Extremadura)
Para quem chega de Jerez de los Caballeros – onde avulta, nas palavras do poeta Nicolau Saião, “uma torre singular” no meio da “serena alvura” dessa terra geradora de uma “comoção inexplicável” –, Fregenal de la Sierra apresenta-se como sucessora natural na viagem, com a sua herança também fenícia, romana, islâmica e templária. Muito próxima da mais raiana das localidades portuguesas – Barrancos – e a pouquíssima distância dos limites administrativos que separam a Extremadura da Andaluzia, a sua localização no mapa configura-a enquanto encruzilhada e, encruzilhada sendo, como ponto de encontro de povos e de culturas. Do outro lado, Aracena e a sua serra têm uma função semelhante (tanto mais que, num curto tempo da Idade Média, chegou a ser governada por um rei português). Barrancos, Fregenal e Aracena parecem ser, aliás, os vértices de um triângulo que, aos mais atentos, permite entender muito do que estrutura e argamassa a identidade raiana.
Os livros e outras fontes de informação dizem-nos que, entre os filhos mais ilustres de Fregenal de la Sierra, se conta o pintor Eugenio Hermoso. Se o artista de Badajoz que tanto aprecio – Luis de Morales, el divino – apresenta nas suas tábuas ora a doçura do olhar e dos gestos humanos ora a “alucinatória imagem da carne” (na expressão de Antonio Sáez, meu companheiro de crónicas raianas), as telas do autor serrano – que podemos apreciar nomeadamente num museu da cidade do Guadiana – mostram talvez melhor quanto nos atrai nessas terras: a inteireza da paisagem e dos rostos, a alegria ora expansiva ora recatada, a serenidade de um território peculiar, pleno de vegetação, resistente como os seus habitantes.
O melhor meio para chegar ao conhecimento das centenas de milhares de hectares que se estendem entre as duas localidades será, creio, o da caminhada. Não há melhor maneira de nos embebermos da paisagem e do povoamento de uma parcela do mundo – isto se não pudermos aproveitar a melhor de todas, a daqueles que deixam tudo para habitá-la, talvez para sempre. Pela serra de Aracena – mas também pelo território de Fregenal – são muitos os caminhos pedestres (assinalados ou por assinalar) que permitem ao viajante a convivência com o espaço. A pé – mas também a cavalo ou de bicicleta – é possível descobrir cumes e vales, bosques e clareiras, aldeias e campos, culturas e matagais, arquitectura popular e construções eruditas. De carro também, mas o gosto nunca será o mesmo… Pelas veredas ou pelas estradas, será sempre possível fazer paragens e alimentarmo-nos não só da contemplação visual, mas também – porque nem só do espírito vive o Homem… - dos deliciosos produtos que reforçam o corpo e estimulam o paladar, como os queijos, os derivados do porco preto, os cogumelos cozinhados com sabedoria, etc..
Por entre um património natural riquíssimo, entremeando azinheiras, sobreiros e castanheiros, há muito para ver nesta encruzilhada da Península. Desde os vestígios mais remotos à importante rede de fortificações andaluzes e templárias, passando por um impressionante conjunto de construções religiosas ou por múltiplas edificações vernaculares igualmente interessantes, na sua rudeza e simplicidade, temos ingredientes para muitos dias de encontro.
Se começarmos pela praça maior de Fregenal e nos demorarmos no seu castelo, nos seus conventos e igrejas (entre as quais destaco a muito concorrida ermida dos Remédios) e nas suas casas nobres, passando, já em Aracena, à visitação da sua fortaleza (com sedimentos islâmicos, portugueses e castelhanos), dos seus templos mudéjares ou de um conjunto de esculturas ao ar livre, terminando com uma descida ao interior do mundo, ao apreciarmos com tempo o esplendor das estalactites e das estalagmites da Gruta das Maravilhas – veremos muito, mas teremos sempre observado muito pouco.
Todo este território encostado a Portugal é muito mais rico física e culturalmente, tem muito mais a oferecer ao viajante, para nele existir, viver e conviver. A orografia favorece a multiplicação de expectativas e o mistério. E, se em Fregenal de la Sierra, uma “Casa do Sangue” nos recorda os horrores de que é capaz o ser humano, será sempre possível recuperar o ânimo e a esperança visitando o Convento de la Paz, na mesma localidade, ou bebendo em qualquer fonte da água oferecida pela Serra de Aracena.
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