UM POEMA DE
"INSTRUMENTOS DE SOPRO"
1.
nascente
há objectos dentro do nevoeiro
sob o local do nascimento.
nenhuma arquitectura. algumas palavras.
um prenúncio de morte
ao contemplar a fechadura desta porta.
com nitidez, um lugar (interrompido) –
uma voz vinda de longe, do fundo
dos tempos.
*
uma árvore cresceu.
afasta as raízes. atravessa
uma estrada tantas vezes percorrida.
não há caminhos semelhantes.
apenas veredas.
entre a raiz e o tronco da árvore –
uma presença. um lugar
sem espaço, ainda sem memória.
este nascimento – sem tempo
nem lugar.
*
o espaço consegue estender-se.
torna-se memória.
as imagens misturam-se.
o som prolonga-se
sem que consiga separar-me
do seu voo.
os fotogramas dividem-se.
alicerces e pilares
vislumbram o edifício
onde guardámos
uma lápide quebrada.
*
o texto desaparece.
foi escrito a sépia, muito claro.
o mundo emerge. revela
imagens, uma data
impressa sobre a pele,
alicerces, estilhaços
que ficaram no cabelo.
para sempre.
*
sob a estrada, junto das águas –
vestígios de sangue.
consolidam
(fazem oscilar)
todo o edifício.
procurámos uma cidade.
encontrámos a ruína:
um lugar – pedaço de pele
arrancado à superfície
do nosso corpo.
*
um livro
prestes a regressar
à forma da origem?
um texto
sem legenda?
a eloquência permanece
apesar da água.
o mundo avança.
espera, entre a sombra e a ruína,
chuva lavando a tarde
e esta ferida.
*
algumas palavras
traçam a sangue
um caminho diferente.
nenhum isolamento nos protege.
as telhas estalam. o tecto
é desenhado pela água.
o vento e o granizo quebram
a vidraça.
*
a rapidez da erosão desfaz
o terreno, a rocha, a estrada.
tudo.
o tronco da árvore estala.
as perguntas ficam.
o incêndio separou dois mundos
sem que possível fosse
analisar o sangue (ou a água).
*
o corpo desaparece
dentro da cidade.
as raízes rebentam
a calçada.
uma casa cresceu.
uma casa cresceu
mas só aqui a posso encontrar.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário