Beja revela pedras preciosas do



Tesouro de Nossa Senhora dos Prazeres





Obra-prima do Barroco nacional, a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em Beja, acolhe “Esplendores do Barroco”, uma iniciativa de divulgação científica, incluída no projecto Geologia no Verão, que se centra na análise das gemas – pedras preciosas ou semipreciosas – aplicadas na arte sacra. Esta actividade terá lugar a 18 de Setembro, pelas 16 horas, e tem acesso livre. É organizada pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, em parceria com o Museu Nacional de História Natural (Universidade de Lisboa) e a Câmara Municipal de Beja.

Sob a orientação do gemólogo Rui Galopim de Carvalho, “executive liaison ambassador” da ICA (International Colored Gemstone Association), quem se deslocar nesta tarde à igreja dos Prazeres poderá conhecer, de perto, os segredos dos diamantes, rubis, crisoberilos, ametistas e outras pedrarias das colecções do Museu Episcopal de Beja, em que se incluem diversas jóias pertencentes à imagem da padroeira do templo, muito venerada em Beja.

A sessão prevê também que os visitantes tragam de casa peças sobre cujas pedras queiram saber mais para que, num laboratório móvel instalado na igreja, Galopim de Carvalho proceda à sua análise, procedendo à identificação das suas gemas quanto aos países de origem, antiguidade, estado de conservação e valor patrimonial. Presta-se assim gratuitamente, no âmbito do Programa Ciência Viva, um serviço que costuma ser pago a bom preço.

Os monumentos religiosos e os espólios neles contidos, quase sempre o resultado do trabalho e da generosidade de muitas gerações, não possuem apenas um interesse cultural, histórico ou artístico. Na verdade, constituem também um repositório de elementos de grande alcance científico, podendo inclusivamente ajudar a esclarecer mistérios que intrigam os especialistas das ciências exactas e naturais, como a Geologia, e dão contributos significativos do ponto de vista da investigação tecnológica. Chamar a atenção para um manancial que vemos ou pisamos todos os dias, mas que não conhecemos suficientemente, é o mote do projecto em curso.

Daí o entusiasmo suscitado por acções, como as propostas pela Agência Ciência Viva, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que se destinam a estabelecer laços entre o património, as comunidades e a prática científica. No que diz respeito ao Baixo Alentejo, as várias igrejas da diocese de Beja que têm sido alvo de encontros com cientistas e tecnólogos registaram sempre “casa cheia”. Isto revela a importância de se rasgarem novas perspectivas na leitura de um património cujo potencial se estende muito para além dos horizontes da arte sacra.



No coração da cidade

A igreja de Nossa Senhora dos Prazeres ocupa um lugar especial no coração dos bejenses. É proverbial a devoção das gentes da cidade a Maria, consubstanciada por vários santuários sob a sua invocação que definem uma verdadeira “geografia sagrada”. Dois deles, Nossa Senhora ao Pé da Cruz e Nossa Senhora dos Prazeres, estabelecem entre si uma relação muito especial: se o primeiro celebra a Morte de Cristo, aspectos muito enraizados na religiosidade alentejana, o segundo assinala a Ressurreição.

Não surpreende, pois, que a antiga Irmandade dos Prazeres se tenha esforçado por erguer, na transição do século XVIII para o XIX, um templo de excepcional magnificência no interior, apesar da discrição do seu aspecto exterior – outra característica da sensibilidade do Alentejo, reservar para “dentro de casa” o que é importante. Colaboraram nesta tarefa, que demorou quase cinquenta anos, os melhores artistas e artífices disponíveis em Portugal, desde os pintores Gabriel del Barco e António de Oliveira Bernardes até aos entalhadores Manuel João da Fonseca e Francisco da Silva.

O conjunto de alfaias da igreja faz justiça a este empenho comunitário. Com efeito, a igreja possui um espólio digno de referência, sobretudo no âmbito das artes decorativas. Das jóias que outrora guarneceram a imagem de Nossa Senhora chegaram aos nossos dias, apesar de sucessivas delapidações – sobretudo quando as tropas napoleónica invadiram a cidade –, peças de notável interesse histórico-artístico. E também científico, como as investigações gemológicas de Rui Galopim de Carvalho vieram demonstrar, alargando conhecimentos acerca de aspectos muito relevantes, como a importação de gemas extra-europeias ou as técnicas de talhe, acabamento e engaste.

Este mundo insuspeito alarga-se a outras peças do Museu Episcopal, contíguo ao templo. Aqui o protagonismo coube a quatro relicários em cristal-de-rocha, executados na corte dos sultões fatimidas do Cairo (séculos IX-X) como recipientes de unguentos, ditos “kohl”, destinados à cosmética, feminina e masculina. O mundo cristão deixou-se fascinar pela beleza transcendente deste receptáculos e, omitindo a sua função profana, apropriou-se deles, transformando-os em relicários. Terão sido trazidos para Beja por cavaleiros desta cidade que estiveram presentes nas duas últimas cruzadas na Terra Santa. São obras raras e de uma grande pureza mineralógica, reforçando o papel do Baixo Alentejo no contexto da arte islâmica.



Uma vocação científica

Rui Galopim de Carvalho formou-se em Geologia na Universidade de Lisboa e especializou-se em Londres nas áreas da Gemologia e da Classificação de Diamantes. No nosso país tem desenvolvido trabalho extenso de identificação e classificação gemológica, em colaboração com museus públicos e privados e com a Igreja, associando-se a vários projectos de inventário, nomeadamente nas dioceses de Beja e Évora.

Autor de obras de referência, desempenha as funções de editor de “Portugal Gemas”, revista digital de gemas e joalharia. É colaborador de associações nacionais do sector da ourivesaria, nas áreas da formação gemológica, e lecciona módulos temáticos em diversas instituições de ensino, nomeadamente a Universidade Católica (Porto) e o Ar.Co (Lisboa). Desenvolve também actividade lectiva e de divulgação gemológica no Brasil e em Moçambique.

Sem comentários: