HOMENAGEM
AOS JUDEUS DE CASTELO DE VIDE

Ao transformar um conjunto de edifícios na judiaria em espaço museológico, a Câmara Municipal de Castelo de Vide decidiu usar um dos compartimentos para lembrar os judeus desta terra do Norte Alentejano supliciados pela Inquisição. Significativa, esta iniciativa. Há nomes que nunca deverão ser esquecidos e atitudes que nunca deverão ser apagadas. Sugiro, apenas, que esses nomes fossem colocados num local central da vila, gravados em granito da região para o tempo e a estupidez dos homens tenham maior dificuldade em apagá-los.
Visitei o museu - localizado no que se julga ser a antiga sinagoga - no passado mês de Agosto, acompanhado pela minha filha. Ao conversar na recepção com a sempre disponível e generosa Maria do Carmo Alexandre, falou-me dum nome estranho inscrito nas paredes do monumento: Catarina Dias, a Purgatória. Respondi-lhe, emocionado, ser minha antepassada, sobre quem escrevi há tempos um pequeno poema.
A fotografia documenta o seu nome entre o de muitas outras vítimas dessa negação da religião e da religiosidade. O poema aqui fica, de novo, conforme se publico no blogue de Nuno Guerreiro Josué, "Rua da Judiaria": http://ruadajudiaria.com/?p=514



Catarina Dias, a Purgatória



cantava, nesse tempo,
a oração dos mortos,
ligando no tear
os fios da memória –

devolvia a água
à raiz da oliveira
para que o sangue
pudesse alimentar
a luz (e as sombras)
dessa terra –

lançava sobre o lume
o sabor e a sabedoria
para que o fermento
envolvesse a solidão –

bebia na fonte
o brilho da pedra,
guardando no cântaro
a angústia das palavras –

guardava no peito
o fogo e a fuga,
o leito que um dia
fechara a garganta –

– quando vieram, sem sombra,
impor sobre o corpo esse peso
sem vida

e a vestiram de noite,
embora fosse branco
o hábito perpétuo.



NotaCatarina Dias, a Purgatória foi uma judia do século XVIII residente em Castelo de Vide. Foi condenada pela Inquisição de Évora a usar o chamado “sambenito”. Outros familiares seus foram queimados em auto-de-fé na capital da então província de Entre-Tejo-e-Odiana. Ao construir a minha árvore genealógica, deparei-me com um nome estranho: Catarina Dias, a Purgatória. Tentei investigar de onde viria essa designação. Achei Catarina membro da família Narigão (de Castelo de Vide) que, em conjunto com os Tirados, fora severamente atormentada pelos sequazes da Inquisição. Catarina estava incluída no número dos sofredores: embora não tivesse visto as suas cinzas misturadas à terra de um terreiro eborense, fora obrigada a usar durante toda a vida o odioso “sambenito “. Daí o alcunha.

1 comentário:

JDACT disse...

Um excelente trabalho.
Obrigado.
JDACT