DEUS A MENOS

Num seu artigo publicado na Visão de 18 de Agosto, tenta José Saramago provar que os fundamentos do terrorismo residem na existência de Deus, enquanto criação mental do Homem. Afirma, assim, que Deus é um factor de desunião - referindo-se, sobretudo, ao Yawé judaico-cristão e ao Allah muçulmano (que, como se sabe, são um único e mesmo Deus) - , quando esclarece que, para "os que matam em nome de Deus, Deus é não só o juiz que os absolve, é o Pai poderoso que dentro das suas cabeças juntou antes a lenha para o auto-de-fé e agora prepara e coloca a bomba". Apela então: "Discutamos essa invenção, resolvamos esse problema, reconheçamos ao menos que ele existe. Antes que nos tornemos todos loucos. E daí, quem sabe? Talvez essa fosse a maneira de não continuarmos a matar-nos uns aos outros".

Discutamos então. Numa argumentação pouco alicerçada, contraditória e manipuladora, para Saramago o problema da violência está nessa "invenção" chamada "Deus". Afirma mesmo que "não há motivos para temer que chineses, japoneses e indianos, por exemplo, estejam a preparar planos de conquista do mundo, difundindo as suas diversas crenças"... Se assim fosse, teríamos que considerar todos os habitantes desses países como "Homens sem Deus", o que não corresponde à verdade - tal como não corresponde à verdade o seu pressuposto pacifismo que, mesmo "sem Deus" ou com um "Deus pacífico", tem feito os estragos que a História bem conhece...
Se todo o problema da violência estivesse no factor divino, então o mundo estaria hoje muito mais limpo e com muito menores cicatrizes. José Saramago esquece deliberadamente que os maiores morticínios da História recente se devem a projectos de civilização sem Deus, como o Nacional-Socialismo de Hitler ou o Comunismo chino-soviético de Lenine, Estaline, Mao e Fidel Castro. Mas esta realidade não deseja ele recordar aos leitores - não vão estes lançar-lhe à cara a sua nunca desmentida condição de militante vermelho, ele que - como revelou há pouco o poeta José do Carmo Francisco - até usa estratégias estalinistas nos seus livros, quando apaga dedicatórias antigas agora incómodas.
Não nego que os assassinos que promoveram e executaram os crimes da Inquisição e do Fundamentalismo tiveram em mente um "Deus" que lhes emoldurou todos os pretextos que invocaram para executarem os seus crimes. Mas terá Deus culpa se um bando de criminosos (tenham a posição institucional que tiverem) mata outros seres humanos em Seu nome? Se assim fosse, qualquer um de nós (inclusivé Saramago) poderia ser condenado pelos crimes cometidos abusivamente em seu nome - atitude disparatada e violadora do mais elementar sentido de Justiça.
O problema da violência pseudo-religiosa não está num excesso de Deus (ou na existência de Deus, segundo Saramago). O problema da violência está num déficit de Deus na mente de homens que se aproveitam (com consciência ou sem ela) do nome de uma divindade para operarem os seus fins humanos, apenas humanos. Quando Deus é submetido à política, à finança, à ostentação, à inveja, ao "mundo" - começa desde logo a desaparecer na mente dos Homens, para ficar apenas como pretexto para fins quantas vezes inconfessáveis.
Mas, pergunto, quem invoca Deus como pretexto acreditará n' Ele? Duvido, duvido muito...
Se um cristão, um muçulmano, um hindu ou um judeu praticam acções indignas, a culpa não está na entidade divina que invocam (em vão, abusando do Seu nome), mas na indignidade humana que concretizam, na sua imperfeição enquanto seres racionais, na sua animalidade/bestialidade. Um fiel que invoca Deus para justificar um mal que pratica torna-se, imediatamente, num infiel. Desde sempre grandes filósofos e grandes pensadores o afirmaram, porque escreveram sem o preconceito de base que move Saramago - aquele que afirma a inexistência de Deus, mas, depois, invoca essa existência para justificar aquilo que não sabe ou não quer explicar doutro modo.

PS - Nestes tempos em que é mais fácil insultar um cidadão pelas suas ideias do que discuti-las com argumentação sólida, deixo bem clara a minha filiação religiosa, para que não restem dúvidas em relação a ela: cristão católico baptizado e crismado, não tenho quaisquer simpatias pela Inquisição (tive antepassados queimados nos autos-de-fé ateados no Rossio de São Brás, em Évora) nem por outros movimentos ou práticas que abusem do nome de Deus, de Cristo ou de Allah para porem em prática os seus objectivos políticos, territoriais, económicos, financeiros ou pessoais.
Deixo também claro que defendi Saramago contra Sousa Lara, porque não é uma ficção que atacará a verdade sobre Cristo e porque "condenar" um autor com estrondo é lançar-lhe uma passadeira vermelha que talvez não mereça. Conheço porém a estratégia política e comercial de Saramago, que passa quase sempre pela encenação de um papel de vítima... bastante visível no artigo em questão - gato escondido com o rabo de fora.

2 comentários:

Ruy Ventura disse...

Acredito nisso. Deus que é misericordioso, saberá perdoar os dislates de Saramago. Nós, Homens, é que não podemos deixar passá-los como verdades arrogantes e infundadas.

Ruy Ventura disse...

Acredito nisso. Deus que é misericordioso, saberá perdoar os dislates de Saramago. Nós, Homens, é que não podemos deixar passá-los como verdades arrogantes e infundadas.