José do Carmo Francisco
Anabela na Coelho da Rocha
Uma lisboeta exilada
Numa terra de nevoeiro
Chega ao fim da estrada
Fica no mês de Fevereiro
Tem saudades verdadeiras
Dos lugares e capelistas
Onde havia sardinheiras
E se compravam revistas
Plateia, Século Ilustrado
Flama, Crónica Feminina
Os homens iam para o lado
As mulheres junto à esquina
Onde grupos de varinas
Vendiam o peixe na rua
E no pó das oficinas
Dormia a sombra da lua
Onde ainda havia carroças
Petróleo, azeite, verduras
As batas brancas das moças
Eram luz das ruas escuras
Onde o vinho e o carvão
Se vendiam numa taberna
E os copos desse balcão
Brilhavam pela lanterna
Onde havia barbearias
E retratos pendurados
Falavam todos os dias
De jogadores admirados
Onde à noite os ardinas
Trazem notícias na mão
As palavras pequeninas
Não chegam ao coração
Eléctricos de atrelado
Com bilhetes de operário
Na paragem do passado
A vida anda ao contrário
Ninguém toca campainha
A dar o sinal de partida
No assento de palhinha
Está sentada a nossa vida
É uma vida misteriosa
Que fica por desvendar
E a poesia tão teimosa
Não desiste de cantar
Uma lisboeta isolada
Numa terra de nevoeiro
Chega ao fim da estrada
Fica no mês de Fevereiro
Casa Fernando Pessoa, 30-11-2006
1 comentário:
Lisboa,uma viagem em imagens. Cada quadra um bilhete postal de uma certa Lisboa. Saudosista e nostálgica, dirão uns. Ponte lunar rumando ao hoje e amanhã, dirão outros. Sendo vida é poesia.
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