TRANSFIGURAÇÃO PELA LIBERDADE
(in Imagen de Extremadura, nº 9)
Numa região autónoma de Espanha, como a Extremadura, que não vem construindo a sua identidade a partir da alteridade, mas – como refere Alonso de la Torre – “basándose en una madura y serena revalorización de señas, hábitos y tradiciones que marcan la historia y el presente sin empujar a la ciudadanía al desprecio de lo ajeno para autoafirmarse a partir de lo propio”, a Cultura, nas suas múltiplas dimensões, será sempre sinal de liberdade e de largueza de horizontes. Centro da transformação da Existência em Vida, a actividade espiritual concretizada em actividade cultural será sintoma de um crescimento que, podendo passar por uma ou várias etapas civilizacionais (antropológicas, sociológicas ou políticas), se tornará sempre, caso seja sólido, numa manifestação de modernidade.
O Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo (MEIAC), sediado em Badajoz, pode considerar-se um indício e uma metáfora do desenvolvimento a acontecer na Extremadura espanhola. Seria apenas um armazém de obras de arte se à sua fundação e construção não tivessem presidido princípios filosóficos que se concretizaram numa arquitectura. Os quadros e as esculturas viajam, mudam de lugar – mas os edifícios ficam enquanto memória no espaço. E na cidade do Guadiana – com o castelo muçulmano, com a intrigante catedral de São João Baptista, com a memória do grande pintor Luis de Morales, el divino – essa construção marcará, creio, o futuro, como já marca o presente. Constitui, mesmo, um díptico com o Museo de Arte Romano, em Mérida – este na assunção dos alicerces de uma civilização, aquele no sublinhar de uma modernidade artística, contemporânea, assumidamente livre na capacidade de oferecer ao visitante uma infinita multiplicação de sentidos.
Palimpsesto da História, o MEIAC parece querer assumir o cume de uma subida civilizacional. Se do antigo baluarte do século XVIII (o Fuerte de Pardaleras) pouco mais existe do que uma memória, da anterior Prisión Preventiva y Correccional de Badajoz (de meados dos anos ’50 da centúria passada) há marcas de construção que, de propósito, foram mantidas pelo arquitecto José Antonio Gálea, autor de um projecto que soube ser, ao mesmo tempo, funcionalidade e obra de arte. À guerra sucedeu a prisão; com a inauguração do museu em 1995 a autonomia extremenha soube inverter esse funesto destino do espaço, transfigurando-o e tornando-o fonte de liberdade. Convenhamos que foi uma aposta acertada, um sinal civilizacional dado a uma região e, dessa região, a todo o múltiplo espaço em que se projecta. Fosse eu ecologista e utilizaria os termos “reciclagem” e “reutilização”; adepto como sou de terminologias que transcendam a existência, prefiro a transfiguração, conforme com qualquer demanda artística que se queira séria.
O grande Fernando Pessoa escreveu que devemos amar o nosso quintal não por ser nosso, mas porque é uma parcela do mundo e nele existe. Assim entenderam os promotores do MEIAC. Não se limitaram a uma (legítima) valorização das suas idiossincrasias regionais ou locais. Quiseram juntar às qualidades extremenhas a largueza das da Ibéria e das de toda uma América, por onde se estenderam, desde o século XVI, os falantes das suas várias línguas. Tentaram assim redimir os excessos da conquista – e conseguiram-no.
Se os espaços abertos e ajardinados, a largueza da fenestração, a transfiguração do edificado se apresentam como indícios de uma região que abre os braços ao vizinho Portugal e a todo o mundo hispânico e latino-americano, apresentando-lhes a sua modernidade que nada rejeita de uma positiva contemporaneidade cosmopolita, não deixam de ser simultaneamente metáforas do que no interior das naves de exposição pode ser contemplado e digerido. Tanto na colecção permanente quanto nas exposições temporárias (seja qual for o nosso gosto ou a nossa reacção perante as obras de arte), temos de reconhecer que um princípio a tudo preside: o da liberdade.
No fundo, bem no fundo, todos sabemos que nenhum desenvolvimento se concretizará sem a interacção entre os três vértices de um triângulo: Liberdade – Contemporaneidade – Cosmopolitismo. O MEIAC está em Badajoz para prová-lo.
(in Imagen de Extremadura, nº 9)
Numa região autónoma de Espanha, como a Extremadura, que não vem construindo a sua identidade a partir da alteridade, mas – como refere Alonso de la Torre – “basándose en una madura y serena revalorización de señas, hábitos y tradiciones que marcan la historia y el presente sin empujar a la ciudadanía al desprecio de lo ajeno para autoafirmarse a partir de lo propio”, a Cultura, nas suas múltiplas dimensões, será sempre sinal de liberdade e de largueza de horizontes. Centro da transformação da Existência em Vida, a actividade espiritual concretizada em actividade cultural será sintoma de um crescimento que, podendo passar por uma ou várias etapas civilizacionais (antropológicas, sociológicas ou políticas), se tornará sempre, caso seja sólido, numa manifestação de modernidade.
O Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo (MEIAC), sediado em Badajoz, pode considerar-se um indício e uma metáfora do desenvolvimento a acontecer na Extremadura espanhola. Seria apenas um armazém de obras de arte se à sua fundação e construção não tivessem presidido princípios filosóficos que se concretizaram numa arquitectura. Os quadros e as esculturas viajam, mudam de lugar – mas os edifícios ficam enquanto memória no espaço. E na cidade do Guadiana – com o castelo muçulmano, com a intrigante catedral de São João Baptista, com a memória do grande pintor Luis de Morales, el divino – essa construção marcará, creio, o futuro, como já marca o presente. Constitui, mesmo, um díptico com o Museo de Arte Romano, em Mérida – este na assunção dos alicerces de uma civilização, aquele no sublinhar de uma modernidade artística, contemporânea, assumidamente livre na capacidade de oferecer ao visitante uma infinita multiplicação de sentidos.
Palimpsesto da História, o MEIAC parece querer assumir o cume de uma subida civilizacional. Se do antigo baluarte do século XVIII (o Fuerte de Pardaleras) pouco mais existe do que uma memória, da anterior Prisión Preventiva y Correccional de Badajoz (de meados dos anos ’50 da centúria passada) há marcas de construção que, de propósito, foram mantidas pelo arquitecto José Antonio Gálea, autor de um projecto que soube ser, ao mesmo tempo, funcionalidade e obra de arte. À guerra sucedeu a prisão; com a inauguração do museu em 1995 a autonomia extremenha soube inverter esse funesto destino do espaço, transfigurando-o e tornando-o fonte de liberdade. Convenhamos que foi uma aposta acertada, um sinal civilizacional dado a uma região e, dessa região, a todo o múltiplo espaço em que se projecta. Fosse eu ecologista e utilizaria os termos “reciclagem” e “reutilização”; adepto como sou de terminologias que transcendam a existência, prefiro a transfiguração, conforme com qualquer demanda artística que se queira séria.
O grande Fernando Pessoa escreveu que devemos amar o nosso quintal não por ser nosso, mas porque é uma parcela do mundo e nele existe. Assim entenderam os promotores do MEIAC. Não se limitaram a uma (legítima) valorização das suas idiossincrasias regionais ou locais. Quiseram juntar às qualidades extremenhas a largueza das da Ibéria e das de toda uma América, por onde se estenderam, desde o século XVI, os falantes das suas várias línguas. Tentaram assim redimir os excessos da conquista – e conseguiram-no.
Se os espaços abertos e ajardinados, a largueza da fenestração, a transfiguração do edificado se apresentam como indícios de uma região que abre os braços ao vizinho Portugal e a todo o mundo hispânico e latino-americano, apresentando-lhes a sua modernidade que nada rejeita de uma positiva contemporaneidade cosmopolita, não deixam de ser simultaneamente metáforas do que no interior das naves de exposição pode ser contemplado e digerido. Tanto na colecção permanente quanto nas exposições temporárias (seja qual for o nosso gosto ou a nossa reacção perante as obras de arte), temos de reconhecer que um princípio a tudo preside: o da liberdade.
No fundo, bem no fundo, todos sabemos que nenhum desenvolvimento se concretizará sem a interacção entre os três vértices de um triângulo: Liberdade – Contemporaneidade – Cosmopolitismo. O MEIAC está em Badajoz para prová-lo.
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