A leitura de José do Carmo Francisco de...
Gloria victis
de Carlos Garcia de Castro
Sexto livro do poeta que se estreou em 1955 com Cio, é irónico o subtítulo: «Não-poemas». Não-poemas (nesse sentido) eram também os poemas de Cesário Verde que foi o grande mestre de Álvaro de Campos e de todos nós.
O ponto de partida é a idade cronológica do poeta: «A minha idade é já de senador. / Classicamente quer dizer sou velho». Essa idade é inserida no espaço da casa: «Quando à noitinha vou ao nosso quarto / de algumas vezes sou eu quem abre a cama.» Mas também no espaço da cidade: «Escrever é vício, amar é condição. / Não é com versos que se prega um prego / nem é com versos que o amor se faz. / Fico sentado no canto da cozinha. / Vou lá para dentro, aqui não faço nada.» E também na memória do Liceu: «Tínhamos medo de pensar com arte / e em quase nada a vida se aprendia. / Bastava uma janela mais acesa / para a noite logo ser uma aventura.» Essa memória choca com a realidade de hoje: «Sei lá quem foi Romeu e Julieta! / O que é que interessa se eu não sei quem são? / Fico marado à noite, eu quero é bares / o mais são gajas a fazer linguado / por tanto tempo que se deixam vir. / Mas não me fico só por marmeladas. / A gente ter um sonho? Não percebo. / A gente sonha mas é quando dorme.»
Entre o precário do amor («Os netos são pavor ou são saudade») e o inevitável da morte («Não me convinha se morresse agora») fica a memória: «O que mais custa é sermos só memória / (Poetas há que abusam da palavra) / Porque a memória, para vocês lembrança / é coisa meramente cerebral / que tem neurónios, linfas e sinapses / sem mais qualquer valia na esclerose. / É mais confusa do que persistente.»
Um belo livro de poemas dum poeta que por ironia os designa como «Não-poemas».
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