FERNANDO FÁBIO FIORESE FURTADO

Três poemas

ESCREVER POR AGULHAS

E se o menino, na urgência de longes,
do trem separa, aparta-se da gare
para embarcar num tandem de horizontes,
não descura do carvão, mesmo lápis,
com que escreve dias-mapa, cartas-ponte,
como a palavra fosse o desembarque
no qual reúne porquês, quandos e ondes,
enquanto a infância manobra e parte.

Nesta escrita, difícil operar
senão ao modo de, como por agulhas,
sejam as que, entre a hora e o lugar,
decidem se a linha míngua ou demuda
(ao foguista cumpre apenas queimar),
sejam aquelas que emprega a costura
e de viés ensinam a mão a chulear
onde nos punge o poema, suas rasuras.


LINHAS RIVAIS

Trem é texto quando encontra desvio
ou nos surpreende em meio ao pontilhão,
e da origem as pernas se desdão
para o mundo acomodar neste livro.
Mas texto é menos trem que o enguiço
de saber que no verso desembarca
apenas a prosa dessas coisas arcas
com que o menino se salva do olvido.

Seja a prosa como dormir num trem
e a poesia quando a aduana sobrevém:
naquela, até o sonho encontra sua reta,
enquanto nesta, nos sacode e espera
uma voz de si mesma estrangeira
- e como fosse toda ela suspeita,
a bagagem uma outra mão desfaz,
mão que vacila entre linhas rivais.


A MORTE COMO METÁFORA

Talvez outra metáfora ainda possa
antes deste texto descarrilar-se
- ou enfim estacar no livro-gare,
à espera de uma voz que, sendo oposta,
o conduza por avessas passagens
(passagens sem número, sem sintaxe),
para assim desfazer-se na manobra
que realiza entre o desvio e o desastre.

Análoga àquela que assombra o pai
quando dele o trem a altura subtrai,
uma outra morte o poema epiloga.
E se digo tratar-se de metáfora,
é porque, com seus modos e manobras,
nela a palavra desvia e me ultrapassa,
tal fosse menos termo do que o mote
o que do autor é um corpo discorde.

Um dia, o trem, livro de poemas publicado recentemente pela Nankin Editorial em parceria com a Funalfa, confirma Fernando Fábio Fiorese Furtado com um dos mais interessantes autores que, neste momento, escrevem poesia no espaço de Língua Portuguesa. Depois de Corpo portátil (2002), este comboio transporta-nos até um verbo que convida à meditação e à viagem, em linhas que tanto levam à catábase quanto à ascensão dos seres que povoam este mundo.

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