João Filipe Bugalho
(texto e pintura)
FRONTEIRA E MEMÓRIA
Sever, fronteira da minha memória.
Rio que separa e une duas margens.
Eterno contrabandista.
Tranquilo, bravo, solitário, na paisagem dura de xisto, quase deshabitada.
Rio que seca e deixa apenas pegos onde se retempera e refresca a bicharada.
Sombras sadias de amieiros e choupos, seixos soltos, margens tranquilas.
Memórias das tardes quentes que refrescávamos com uma talhada de melancia, sob o laranja intenso do antepôr do sol.
Com pó e suor na pele mas uma sensação quente de bem estar, sensual, inesquecível.
Ainda hoje revisitada.
Como o canto apelativo dos abelharucos, voando por cima.
Luz do fim da tarde que foi abrazadora,
luz inseparável dos sons vagos dos chocalhos de um rebanho quase perdido na distância.
Bravura agreste do rio, correndo no próprio leito de pedra, por si talhada.
Silêncio estival, apenas rasgado pelo vôo azul do guarda-rios,
de onde em quando pontuado pelo triste e escasso piar da cotovia.
Peso do calor que nos faz buscar a quietude e o silêncio na protecção da sombra.
Que acalma.
Mas que nos fórça a contemplar.
A sentirmo-nos ínfimos na imensidão do espaço.
Serras distantes, onde se espraiam laivos laranja-azulados de poentes que fazem ressaltar os brancos casarios.
FRONTEIRA E MEMÓRIA
Sever, fronteira da minha memória.
Rio que separa e une duas margens.
Eterno contrabandista.
Tranquilo, bravo, solitário, na paisagem dura de xisto, quase deshabitada.
Rio que seca e deixa apenas pegos onde se retempera e refresca a bicharada.
Sombras sadias de amieiros e choupos, seixos soltos, margens tranquilas.
Memórias das tardes quentes que refrescávamos com uma talhada de melancia, sob o laranja intenso do antepôr do sol.
Com pó e suor na pele mas uma sensação quente de bem estar, sensual, inesquecível.
Ainda hoje revisitada.
Como o canto apelativo dos abelharucos, voando por cima.
Luz do fim da tarde que foi abrazadora,
luz inseparável dos sons vagos dos chocalhos de um rebanho quase perdido na distância.
Bravura agreste do rio, correndo no próprio leito de pedra, por si talhada.
Silêncio estival, apenas rasgado pelo vôo azul do guarda-rios,
de onde em quando pontuado pelo triste e escasso piar da cotovia.
Peso do calor que nos faz buscar a quietude e o silêncio na protecção da sombra.
Que acalma.
Mas que nos fórça a contemplar.
A sentirmo-nos ínfimos na imensidão do espaço.
Serras distantes, onde se espraiam laivos laranja-azulados de poentes que fazem ressaltar os brancos casarios.
Austeros. Às vezes sós, sombrios.
Mas que, uma vez dentro, se nos revelam e nos acolhem.
Que nos desvendam, nos recantos e nos pátios, os seus mais antigos e íntimos segredos. Até mesmo as suas gentes.
Envoltos em planuras infindas, cortadas por escassas rectas de muros,
intermináveis...
Vagamente cobertas de restolho amarelecido, queimado pelo Sol.
Ou alqueives, de pó vermelho e sêco, tingindo o horizonte.
Com danças de sobreiros sobre a paisagem.
Ou linhas e linhas de colinas sedentas, como corpos de mulher.
Céus sempre diferentes, carregados de imagens ditadas por nuvens,
imparáveis,
brancas, sépias, às vezes cinzento-chumbo quase negras,
de ameaçadoras trovoadas.
Além dos infinitos espaços, apenas a ímpar, indescritível, solidão da azinheira.
Cujo tronco, revelando a cicatriz do tempo, é a própria resistência.
A vida.
Sever memória, fronteira, esperança.
Sever, de contrabando e de partida.
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