ATÉ UM DE JULHO
Devido ao nascimento, amanhã, do meu filho Manuel Pedro e às inerentes tarefas da paternidade - só no próximo dia 1 de Julho voltarei a actualizar o "Estrada do Alicerce". Agradeço a vossa compreensão.

















duas entrevistas que merecem a nossa leitura.
Nicolau Saião

A PENITÊNCIA

Já por várias vezes, em artigos algo vivazes, tenho tecido críticas ao homem que Deus propiciou que fôsse nosso actual primeiro-ministro.
Deixei mesmo escapar, aqui e além, a ideia de que o creio - mais que incompetente, isso seria o menos...já estamos habituados a esses disfrutes - arrogante, maldoso, ligeiramente peralvilho e trapaceiro politicamente.
Mas como sou, creio, no fundo um patriota e um sujeito afinal boa-boca (fora os arroubos de temperamento cidadão) venho hoje - com muito gosto e alegria! - dar a mão à palmatória. Ou seja - fazer a penitencia. Irei ainda a tempo de ser perdoado?
Foi através do Portugal Diário que lavei a minha pequena hostilidade, em texto que vos dou já a seguir:


O MEU VOLTE-FACE...

Muitas pessoas, e cada vez mais, têm dito - saiba-se lá com que aleivosas intenções! - que o político que ora temos como primeiro-ministro é um mentiroso.
Discordo frontalmente! Agora discordo frontalmente!
E discordo porque ouvi as declarações do senhor em causa a um periódico, ou uma catrefa deles: "
A vencer o NÃO na Irlanda, isso seria muito mau para a minha carreira política...".
Quere-se maior exemplo de sinceridade?
O brioso Engº Sócrates mostrou que é um homem verdadeiro e, até, muito humano: posto ante o terramoto que se perspectiva por aí venha, afivela uma preocupação legítima e sã, mostrando ao mesmo tempo que tem auto-estima!...
É destes homens que a Europa precisa!
(Embora alguns malandrecos digam e jurem a pés juntos que nem Portugal precisa deles...).
Mas isso já é outra história, como o Zé Povinho gosta de dizer...
NS

PODERES ANÓNIMOS
APODERAM-SE DA DEMOCRACIA
E DOS GOVERNOS


Gerentes de multinacionais, políticos das primeiras filas, jogadores das sociedades de acções e um estado reduzido à dimensão de Judas preocupado com a bolsa dos impostos, actuam como as pragas bíblicas dos gafanhotos que de tempos a tempos invadiam os campos do povo e os desbastavam com a sua voracidade indomável deixando atrás de si o desconsolo e a desorientação. O povo sofre a nível mundial. Em 1960 20% da população mais rica do mundo tinha um rendimento 30 vezes maior que o dos mais pobres. Em 1995 o rendimento dos mais ricos tinha aumentado para 85 vezes mais.Os energúmenos cartéis internacionais da energia, os cartéis ideológicos e do poder, reduzem o ser humano a presa. O petróleo sobe constantemente nas bombas de gasolina e com ele o preço dos produtos transportados e gerados à custa de energia. O mesmo se dá com o gás, a electricidade e os produtos alimentícios. Os preços tornaram-se astronomicamente simbólicos não correspondendo ao seu valor real. O gasóleo que é um produto de terceira qualidade, em relação à gasolina, chega mesmo a ultrapassar o preço desta. A indústria automóvel constrói carros com consumo de gasolina mais reduzido mas logo a gasolina é subida de maneira a, multinacionais e Estado, compensarem, com a subida do preço de combustível, o que perderiam com a redução de consumo. A política desobriga-se, perante um povo também ele anónimo mas ainda sensível às palavras, promovendo actos de fé na ecologia e na defesa do ambiente. O paradoxo da situação está em o negócio florescer melhor com uma natureza doente e um cidadão precário. Os Governos não promovem o razoável para o povo e para a defesa da natureza. Limitam-se a acantonar-se na defesa do status quo pernicioso, desviando as atenções dum povo clientela com responsórios de ocasião. Jogam às escondidas falando de energias alternativas, de CO2 e de modernização criando no povo esperanças e motivação para aguentar maiores cargas e sacrifícios. Não ousam a resistência às sociedades anónimas nem ao ditado do hábito rotineiro. Naturalmente que os políticos se encontram sobrecarregados com um sistema que pressupõe forças sobre-humanas para o dominar. Para isso seria necessária a mudança de mentalidade de todo o povo. O Estado não pode limitar-se à função de impedir a violência dos pequenos, considerando tabu a dos grandes.


Continue a ler aqui este lúcido artigo de António Justo.

Se penso mais que um momento


Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar,
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar.

Dentro em breve (poucos anos
É quanto vive quem vive),
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou não tive,

Deixarei de ser visível
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensível,
Ou ébrio de outro arrebol,

Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a terra, com o sonho,
Com mês a mês e ano a ano.

Por mais que o Sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lembra-nos que isso é disfarce
E que é a noite que é tudo.

(Poema de Fernando Pessoa c/ pintura de Maria Helena Vieira da Silva - no dia do seu aniversário.)

TRANSFIGURAÇÃO PELA LIBERDADE
(in Imagen de Extremadura, nº 9)

Numa região autónoma de Espanha, como a Extremadura, que não vem construindo a sua identidade a partir da alteridade, mas – como refere Alonso de la Torre – “basándose en una madura y serena revalorización de señas, hábitos y tradiciones que marcan la historia y el presente sin empujar a la ciudadanía al desprecio de lo ajeno para autoafirmarse a partir de lo propio”, a Cultura, nas suas múltiplas dimensões, será sempre sinal de liberdade e de largueza de horizontes. Centro da transformação da Existência em Vida, a actividade espiritual concretizada em actividade cultural será sintoma de um crescimento que, podendo passar por uma ou várias etapas civilizacionais (antropológicas, sociológicas ou políticas), se tornará sempre, caso seja sólido, numa manifestação de modernidade.
O Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo (MEIAC), sediado em Badajoz, pode considerar-se um indício e uma metáfora do desenvolvimento a acontecer na Extremadura espanhola. Seria apenas um armazém de obras de arte se à sua fundação e construção não tivessem presidido princípios filosóficos que se concretizaram numa arquitectura. Os quadros e as esculturas viajam, mudam de lugar – mas os edifícios ficam enquanto memória no espaço. E na cidade do Guadiana – com o castelo muçulmano, com a intrigante catedral de São João Baptista, com a memória do grande pintor Luis de Morales, el divino – essa construção marcará, creio, o futuro, como já marca o presente. Constitui, mesmo, um díptico com o Museo de Arte Romano, em Mérida – este na assunção dos alicerces de uma civilização, aquele no sublinhar de uma modernidade artística, contemporânea, assumidamente livre na capacidade de oferecer ao visitante uma infinita multiplicação de sentidos.
Palimpsesto da História, o MEIAC parece querer assumir o cume de uma subida civilizacional. Se do antigo baluarte do século XVIII (o Fuerte de Pardaleras) pouco mais existe do que uma memória, da anterior Prisión Preventiva y Correccional de Badajoz (de meados dos anos ’50 da centúria passada) há marcas de construção que, de propósito, foram mantidas pelo arquitecto José Antonio Gálea, autor de um projecto que soube ser, ao mesmo tempo, funcionalidade e obra de arte. À guerra sucedeu a prisão; com a inauguração do museu em 1995 a autonomia extremenha soube inverter esse funesto destino do espaço, transfigurando-o e tornando-o fonte de liberdade. Convenhamos que foi uma aposta acertada, um sinal civilizacional dado a uma região e, dessa região, a todo o múltiplo espaço em que se projecta. Fosse eu ecologista e utilizaria os termos “reciclagem” e “reutilização”; adepto como sou de terminologias que transcendam a existência, prefiro a transfiguração, conforme com qualquer demanda artística que se queira séria.
O grande Fernando Pessoa escreveu que devemos amar o nosso quintal não por ser nosso, mas porque é uma parcela do mundo e nele existe. Assim entenderam os promotores do MEIAC. Não se limitaram a uma (legítima) valorização das suas idiossincrasias regionais ou locais. Quiseram juntar às qualidades extremenhas a largueza das da Ibéria e das de toda uma América, por onde se estenderam, desde o século XVI, os falantes das suas várias línguas. Tentaram assim redimir os excessos da conquista – e conseguiram-no.
Se os espaços abertos e ajardinados, a largueza da fenestração, a transfiguração do edificado se apresentam como indícios de uma região que abre os braços ao vizinho Portugal e a todo o mundo hispânico e latino-americano, apresentando-lhes a sua modernidade que nada rejeita de uma positiva contemporaneidade cosmopolita, não deixam de ser simultaneamente metáforas do que no interior das naves de exposição pode ser contemplado e digerido. Tanto na colecção permanente quanto nas exposições temporárias (seja qual for o nosso gosto ou a nossa reacção perante as obras de arte), temos de reconhecer que um princípio a tudo preside: o da liberdade.
No fundo, bem no fundo, todos sabemos que nenhum desenvolvimento se concretizará sem a interacção entre os três vértices de um triângulo: Liberdade – Contemporaneidade – Cosmopolitismo. O MEIAC está em Badajoz para prová-lo.
Floriano Martins

PEQUENA MÁQUINA DE METÁFORAS


Eu cubro o teu nome com os cílios da noite.
Teu desamparo mal distingue em meus dedos
as tintas com que trafego por sua vegetação.
Estás sempre nua como uma metafísica insone.
Eu misturo as sílabas flutuantes do desejo
e rabisco em tua pele uma senha esponjosa.
Teus suspiros badalam em ardilosa catedral,
com sua areia-gulosa e as jóias do abismo.
Não concluis uma frase sem a reticência
luminosa de teus seios boiando no tempo,
tear de safiras da luxúria, paiol de miragens,
partes minúsculas do perigo que se põe a rir
sempre que o vemos como um cofre, um fim.
O sol configura suas telas com o traje mecânico
do esquecimento, penhasco de vícios: não dar
por conta de um único anseio no dia seguinte.
O mundo se despedaça rindo. Acumulo suas
vítimas na ribeira. Pernas trêmulas da melancolia.
Manjar contaminado da esperança. E ainda
assim ali estás, baile sem rosto e infindo,
tua nudez entrevista em seu duplo sentido.
Eu abro o teu nome para decifrar seus vidros.