José do Carmo Francisco
Natal Feliz com lágrimas
Não se trata de andar à volta do livro magnífico do João de Melo, um belo romance e um dos mais felizes e bem achados títulos que conheço. E conheço muitos pois escrevo sobre livros em jornais e revistas desde 1978. Mas para mim o Natal é a época do ano mais complicada de gerir, de sentir e de viver. Enquanto somos novos o Natal é muito bonito pois tudo é de graça. Nada pagamos nem pelos beijos nem pelas lágrimas mas com a idade tudo se complica. Começa a faltar gente na lareira: o avô, a avó, a mãe. E começam as distâncias: uma filha que emigrou à procura de melhores condições de vida num país estrangeiro. Não pode vir porque passa os Natal com os sogros, gente idosa e doente. Tem que ser assim. E começam as angústias. Um filho recém-licenciado em História e autor de uma tese de mestrado não consegue colocação compatível. Nem incompatível. Uma filha está no quarto ano de um curso de arquitectura paisagista e já começa a pensar que não tem saída. Talvez emigrem os dois. Eu próprio estou desempregado desde 2 de Novembro e a minha mulher desde 23 de Setembro. Tudo isto acontece 32 anos depois do 25 de Abril que eu modestamente ajudei a concluir na Pontinha e cujo registo está na minha caderneta militar. Por isso a angústia é maior. Por isso este título de crónica tem toda a justificação. Natal Feliz com lágrimas pois ainda há encontro, ainda há partilha e ainda há ternura em circulação mas já não estamos todos à mesa. E a única resposta positiva é, tem que ser, só pode ser, o sorriso ingénuo e confiante do meu neto Thomas Francisco Sutherland. Ele pode ser o rosto desta aposta teimosa do amor contra a angústia. Da alegria possível contra a paisagem desolada do egoísmo e da solidão.
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5 comentários:
É comovente esta sua crónica! Deixa-nos um nó na garganta...
Também eu sinto um pouco aquilo de que fala. Vou no quarto ano de exílio involuntário, cavado pelas manobras de uns senhores portalegrenses que preferiram ceder à maior cunha do que promover a qualidade. Também eu, neste ano, vou sentir um "buraco negro" (expressão de Carlos Garcia de Castro), devido à morte recente do meu sogro e às menos recentes de três avós a quem muito queria e quero. Mas também eu vejo um luz de esperança na minha filha prestes a nascer, nos pontapés que dá na barriga da mãe.
Mas a luz do Natal está dentro de nós e, pensando na máxima cristã de São Paulo ("Podemos ser abatidos mas não aniquilados..."), assim, teremos sempre uma alegria que não está sujeita à erosão do mundo.
O drama do Zé do Carmo Francisco é o drama de milhares de portugueses, que estão no desemprego e não podem ter o Natal que desejariam... especialmente por razões económicas.
Felizmente o Zé do Carmo deixa-se embalar pelo bonito sorriso do neto.
O que vale um sorriso de uma criança, mesmo que esteja num outro país...
Sempre tive a convicção de que José C.Francisco era aposentado dum serviço financeiro. Não o sabia desempregado e em dificuldades económicas e solidarizo-me com a sua situação e da sua família. Acho que não está certo, depois de tantos anos de ser um homem de esquerda, não ser apoiado por esses que tanto falam e, afinal...Em todo o caso, o bom Natal possível.
Não sei, mas há por aqui qualquer coisa que não me convence. E não sou desconfiado. Há qualquer coisa que está mal contada.
Conheci este escritor num barbeiro onde vou há mais de 20 anos e ele era empregado num banco. Então e agora está desempregado? Isto está a chegar a todos,Sócrates para o olho da rua, viva o comunismo.
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