E AGORA? (1)

Nunca tive grandes dúvidas em relação ao resultado do referendo, embora tenha defendido sempre a opção negativa. Esta tendência para a descriminalização de violações de bens jurídicos fundamentais faz parte do "espírito" da sociedade em que vivemos, dita "multicultural", embora no fundo seja apenas relativista, porque dominada pelo individualismo.
Se, por um lado, há uma crescente normalização de atitudes e de padrões de vida - manipulada pelo consumismo mais descarado -, por outro assiste-se a uma desresponsabilização dos cidadãos (quando abortam, quando se prostituem, quando se drogam, quando roubam, etc.), menorizando-os, sem se atribuírem responsabilidades verdadeiras àqueles que contribuem malevolamente para tais atitudes. No fundo, bem no fundo (por mais que nos custe), de há algum tempo a esta parte deixámos de ser verdadeiramente cidadãos, para passarmos a ser apenas utentes ou consumidores, cuja dignidade é apenas um instrumento político ou económico...
Esta tendência social - que deveria preocupar qualquer pessoa consciente - dá jeito às gerências políticas da coisa pública que, assim, se vêem livres de combates sempre muito difíceis (mas necessários), pondo em risco, contudo, o equilíbrio social, devido a uma separação erosiva entre a ética e a legalidade.
O perigoso disto tudo - para além da quebra da dignidade dos cidadãos, contruída sempre em torno da responsabilidade individual - é a emergência de formas assustadoras de populismo e de movimentos políticos fascizantes, que sabem aproveitar bem a angústia existencial que a desculpabilização causa entre as vítimas de actos eticamente reprováveis. Por ser esta uma tendência geral das sociedades pós-modernas em que vivemos, não nos admiremos então que por esse mundo fora (mormente na Europa) surjam cada vez mais movimentos neo-nazis...

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