DOIS LIVROS
DE GONÇALO M. TAVARES


Se um livro de contos de Gonçalo M. Tavares, recentemente premiado, não me impressionou totalmente, concluída a leitura de Um homem: Klaus Klump, sou obrigado a reconhecer a eminência da sua ficção. Cruzam-se na narrativa várias linhas de sentido: desde a mais evidente (o corte na linha temporal da vida de uma cidade, entrelaçado com a focalização de um percurso humano individual - ambos fixados com o cimento da violência) às subterrâneas (a simbólica da sonoridade, o movimento pendular entre a verdade e a mentira, entre a face e a máscara, entre o indivíduo e a colectividade, entre a vida e a sobrevivência). A erupção aforística constitui outro dos pilares do edifício narrativo - e talvez um dos mais atractivos (para este leitor que aqui escreve).




Jerusalém - ou o nome desmaterializado, sem toponímia, tornado lugar verbal de memória, eixo da memória. A dado passo, o retorno selectivo (de Nietzche?), quando a prisão-hospital se torna espelho do hospício, completando o triângulo espacial do romance, com um dos seus vértices no exterior-cidade. A loucura, a violência, o horror - constituem outro triângulo, num livro feito de geometrias sobrepostas, cujo rompimento (pela introdução da irregularidade) faz irromper os factos que promovem o avanço da narrativa. "Unheimlich" - até na antroponímia escolhida.
Mais tarde ou mais cedo, todos escreveremos, afinal (com Mylia), a palavra "fome" na parede de uma igreja fechada ou em qualquer outra casa por abrir...

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