SURREALISMO E FILOSOFIA PORTUGUESA

A troca de ideias (chamar-lhe polémica seria exagerado...) entre Pedro Sinde e António Cândido Franco sobre a relações entre o Surrealismo e a Filosofia Portuguesa continua no blogue Maranos. Sejam quais forem as nossas opiniões, são reflexões interessantes.

8 comentários:

Anónimo disse...

Quando se fala da má-vontade, digamos assim, que Cesariny tinha em relação à Filosofia Portuguesa, não devemos esquecer um aspecto: que certos senhores ou certos sectores se serviam de tal coisa ou movimento para distorcerem pensamentos/pensadores como por exemplo Pessoa, para os jungirem aos seus propósitos anti-universalistas, retrógrados e autoritários, o que está nos antípodas do surrealismo.
Era isso que repugnava a Cesariny, assim como me repugna a mim e a outros tão de boa-fé como eu.
O que é que, por exemplo, Agostinho da Silva terá a ver com fulanos que se arrogam de seus compagnons ou discípulos? Apenas buscam uma caução para serem "tão dos fundilhos de Portugal que não são de lado nenhum", como dizia MC.
E o resto é conversa.

Ruy Ventura disse...

Se há pontos de contacto entre os domínios culturais, há muito que os diferencia. Cesariny e Franco estabeleceram pontes entre os autores de ambos os lados, não esquecendo, creio eu, que há posturas inconciliáveis entre o Surrealismo e a Filosofia Portuguesa, nomeadamente no olhar de ambos sobre o mundo, universal-cosmopolita no primeiro caso, nacional(ista) no segundo. Num e noutro lado, interessam-me sobretudo os heterodoxos.
Há aspectos positivos e negativos na estética e na ética de ambos os lados, na minha opinião. Por isso, declaro sempre que - apreciando, e muito, boa parte da obra de Pascoaes, Álvaro Ribeiro, Leonardo Coimbra ou Cândido Franco assim como da de Cesariny, Lisboa ou Saião - nunca me poderei filiar nem num campo nem noutro.

Anónimo disse...

O SURREALISMO

Há muita boa gente que ainda não compreendeu o que é ou foi o Surrealismo. O Surrealismo como movimento histórico já não existe, nem pode existir, pois que ele uma realidade histórica radicada entre as duas grandes guerras. O que ficou, foi a liberdade que o Surrealismo trouxe consigo, aquele fogo surrealizante que ilumina toda a literatura e toda a arte, ou seja, a liberdade plena do homem sem preconceitos, nem dogmas, nem restrições de ordem moral ou estética. No entanto, há que dizer que esse fogo surrealizante sempre existiu e sempre há-de existir. (visitem-se os primeiros românticos alemães e leia-se um pouco de Hölderlin. )
Hoje ao falar-se de Surrealismo, fala-se como se o surrealismo fosse um movimento estético.
Ora tal coisa está em completa contradição com as ideias surrealistas de um Breton & Ca.
O surrealismo é, quanto a nós, sobretudo, um sopro de juventude, a aspiração revolucionária contra todos os tipos de burguesismos pecuniários, hipócritas e hedónicos : como Maurice Blanchot, muito bem, dizia: o surrealismo „ não foi sistema, nem escola, nem movimento de arte ou literatura, mas sim pura prática de existência.“
O nosso Cesariny foi, de facto, um exemplo concreto dessa „ pura prática da existência. E se ele não tivesse sido isso e um pouco mais do que isso, não teria, com certeza, passado para lá de mais um poeta surrealista a macaquear o surrealismo francês de entre guerras.
Quanto à maior parte daqueles que hoje se denominam como sendo surrealistas, fazem-me lembrar belas estátuas gregas decapitadas. Emitam, de facto, bem „ a estética surrealista „,
mas não existe neles o fogo surrealizante, ou seja, a revolta do sangue jovem, aquela revolta que não aceita, nem pode aceitar o burguesismo e pedantismo do mundo e da literatura de hoje. Muitos desses chamados surrealistas acomodaram-se (tal como o fez Dali) à sombra da bananeira e vão fazendo com isso um negócio bastante rentável.
O que é necessário na literatura e na arte corrompida dos dias de hoje, são poetas e artistas capazes de criticar e enfrentar este sistema corrupto, no qual o que conta é, sobretudo, editar um livrinho de vez em quando, e vender muitos e muitos livros e muitos e muitos quadros etc. etc. etc. e, quem sabe, até talvez receber-se um Prémio Nobel.
(Talvez seja exactamente por isso que os poetas raramente ganhem o Nobel. )
Por fim ainda gostaria de dizer que podemos encontrar „ características „ surrealistas ou surrelizantes em autores que parecem estar completamente afastados do tal assim chamado „ Surrealismo „.
Nietzsche foi um surrealista à sua maneira e o grande poeta/ filósofo „ Antero de Quental „
Também à sua maneira o terá sido. E muitos escritores de hoje também o são, embora, não se consideram como tal. E quem sabe se não serão esses que trazem em si a verdadeira chama surrealizante do surrealismo acima do surrealismo.

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Luís Costa, Züschen MMVII

Anónimo disse...

O surrealismo não tem nada a ver com os aspectos históricos. Porque não sendo um movimento artístico-literário no sentido estrito, mas sim uma imanencia do ser e do existir livres, não é compaginável com modismos assim como não o é com descabelamentos.
Tentarem situá-lo num dado período é o mesmo que tentarem colocar a Razão num compartimento estanque.
Por isso está vivo e actuante, só que mudou de face - transfigurou-se, como Louix Vax já assinalava nos anos 50.
Daí que certos autores, que se acham próximos ou mesmo dentro do surrealismo só porque fazem "poemas" com imagens esquipáticas, perdem o seu tempo ou são ridículos mesmo.
São surrealistas de aviário ou pequenos espertalhões/parolos, que tentam a sua jogada contando com a incultura do vulgus pecus.
O que pautua a voz surrealista é a originalidade interior no corpo do mito, que vai muito além da pseudo-revolta dos que se afivelam anti-burgueses para melhor agirem à maneira de aparatchikis da agitprop, tão repugnante hoje como nos tempos de stalin, de hitler ou da inquisição sempiterna.
O que de resto não passa de literatice, mesmo que se enroupe com um ar inconformista ou mesmo endoidado de geniaços de arrabalde.

Anónimo disse...

O SURREALISMO II


Enquanto movimento, encabeçado por Breton, o surrealismo pode ser situado historicamente. Pois que, como bem se sabe, ele nasceu, sobretudo, de uma revolta contra um racionalismo apático, que prometia a terra prometida ao homem e que afinal o levou à I Grande guerra.
E como nos diz Nadeau na sua “HISTÓRIA DO SURREALISMO “, embora Breton não tivesse gostado, o surrealismo, enquanto movimento, desaparece em França com o início da II Grande guerra. Ora, sendo assim, podemos falar do surrealismo como momento histórico, balizado entre as duas grandes guerras. E também, como bem sabemos, todos os grupos surrealistas que, ao longo do tempo, foram aparecendo pelo mundo fora, tiveram sempre como modelo o surrealismo francês. Em Portugal o caso não foi diferente.
Quem se tiver debruçado, com um pouco de atenção, sobre esses grupos surrealistas, verá que na sua estrutura e acção são uma cópia mais ou menos exacta do grupo surrealista francês.

O espírito surrealizante, ou comportamento surreal, redescoberto pelo grupo surrealista francês, (o sonho, o maravilhoso, a magia, a loucura etc.), ou seja a sua quintessência, essa dispersou-se pelo mundo fora e continua actuante, sobretudo, nas almas dos poetas. No entanto, este comportamento surreal, assim lhe chamou Nadeau, desejo de liberdade total, do encontro do homem com o homem e com o cosmos, que é ,ao fim e ao cabo, a casa do Ser, sempre existiu e continua a existir e sempre existirá para lá de um surrealismo enquanto grupo organizado.

Há que dizer que se hoje alguém se pode chamar surrealista é porque num dado momento histórico existiu na França um grupo de homens que resolveram chamar àquilo que faziam surrealismo. E nos deram mesmo uma definição dessa palavra. Nem mais nem menos.
Ora vejamos:

Surrealismo: s.m. Automatismo psíquico puro, pelo qual se pretende exprimir, verbalmente ou por escrito, ou de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de qualquer preocupação estética ou moral.
Emc.Filos. O surrealismo assenta na crença em uma realidade superior de certas formas de associações até aqui desprezadas, na omnipotência de certas formas de associações até aqui desprezadas, na omnipotência do sonho, no jogo desinteressado do pensamento. Tende a arruinar defenitivamente todos os outros meanismos psiquicos e a substituir-se a eles na resolução dos principais problemas da vida ( Manifeste du surréalisme, 1924 )

Queremos com isto dizer que todos aqueles que hoje se chamam surrealistas se regem por esta definição vinda da pena de Breton, ou antes, estão a aderir a uma certa maneira de ver as coisas de um modo que é muito próprio do grupo surrealista francês, situado entre as duas grandes guerras . e por isso não podemos encontrar neles aquela originalidade interior no corpo do mito.

Numa conferência proferida na Universidad Nacional de México em 1954, sob o título “ O Surrealismo “, Octávio Paz a certo passo diz o seguinte: “ o surrealismo quer abolir todas as dicotomias existentes entre o eu e o mundo, o exterior e o interior, criando coisas que são ao mesmo tempo exteriores e interiores. “
Ora agora perguntamos: não foi exactamente isso que Novalis, Antero, Hölderlin, Nerval e muitos, muitos outros, procuraram fazer?
E não é precisamente isso que muitos dos grandes poetas do mundo de hoje procuram fazer?
Será, de facto, necessário aderirmos a um grupo surrealista, ou apelidarmo-nos de surrealistas para compreendermos isto ?
Só podemos aqui responder com um claro - NÃO!

Por sua vez, o comportamento surreal de que já falámos acima, que foi também uma das grandes riquezas do surrealismo francês organizado, não é nem nunca poderá ser apanágio ou pertença de um grupo de indivíduos que se possam denominar de surrealistas (No entanto há muitos que assim o pretendem ) . Porque se assim fosse estávamos a entrar no campo do dogmatismo e fundamentalismo partidarista. Coisa muito contrária ao comportamento surreal que tem como seu princípio indestrutível: a LIBERDADE. E isto seria, de facto, tentar-se colocar a Razão num compartimento estanque.
António Matia Lisboa viu isto melhor do que ninguém; e, por isso, numa carta dirigida a Cesariny, escreveu o seguinte:
«Surrealidade não é só do Surrealismo, o Surreal é do Poeta de todos os tempos, de todos os grandes poetas».

Que assim seja!


LUÍS COSTA, Züschen MMVII

Anónimo disse...

marcos de sade insiste em confundir surrealismo com "movimentos surrealistas" ou "grupos". Primeiro erro, que decerto advém por ver as coisas escolasticamente. Para compensar, cita talvez a frase de AMLisboa, pelos vistos encarado como oráculo (no surrealismo não existem oráculos, apenas pessoas que opinam desta ou daquela maneira, umas vezes melhor outras pior). E essa frase de Lisboa, aliás certa, tem servido para muitos autores, nomeadamente autores menores, tentarem cobrir-se com uma chancela de pertença, que é apenas isso que visam e não aumentar os continentes da surrealidade, ou seja da liberdade por extenso, que não lhes interessa nada. Ou seja, neste género: se lá cabe muita gente, então também dá para mim ou para o meu grupo...
E é assim que, em diversos países, muitas vezes ajudados por uma comunicação social pouco ética ou mesmo desonesta intelectualmente, e por uma classe intelectual corrompida, estabelecem regras arbitrárias, "correndo" com o surrealismo real e os surrealistas mesmo, que substituem ou tentam substituir por ersatz ou poetastros.
Convém-lhes.
Se para alguns sectores conta editar um livrinho de vez em quando, não pode esquecer-se que tão lamentável é isso como editar-se poemaria de vez em quando em jornais ou revistas.
Por outro lado, nunca os surrealistas fizeram isso. Não devemos esquecer que a publicação de livros ou textos na comunicação social foi-lhes sempre difícil, precisamente porque punham em causa os donos do mundo e os seus lacaios. E veja-se a quantidade de surrealistas presos e mesmo liquidados, civil ou pessoalmente.
Quando refere que Cesariny foi um exemplo concreto de desapego, diríamos franciscano, está de facto mal informado ou distorce deliberadamente a questão. Com efeito, Cesariny detestava os que tentavam fazer da prática artística uma espécie de ordem monástica, a seu ver desprezível e apenas ressaibo duma mentalidade medieval e padreca. Não há mal nenhum, como ele exemplificou sobejamente, promover ou transaccionar um trabalho material. O que está mal é vender gato por lebre ou prostituir-se intelectual e artisticamente.
Foi ele que disse, aliás:" Certos epígonos gostam muito de mártires, dão logo dois tostões para o movimento".
Por último, importa desmascarar este facto, que marcos de sade confunde: o surrealismo não é uma actuação contra o burguesismo, como queriam os "marxóides" infiltrados e que tanto mal fizeram com os seus tiques pseudo-revolucionários; nem um borbulhar de sangue jovem, como queriam os fascinados pelo "sangue e terra" do nazismo. Mais simplesmente, é uma proposta e uma prática de imaginação e realidade, que está tão longe das politiquices d'abord como dos dramatismos para dourar a pílula.
E surrealistas "à sua meneira" não se sabe o que seja, é apenas uma frase que dá para tudo. Até para se fazerem maus versos e se tentar passar por incompreendido, como muitos fazem.

Anónimo disse...

Senhor a.Jofre,


acho que destas discussões não se pode aprender muito. Surrealismo à “minha meneira “não existe, isto porque eu não sei, nem nunca conseguirei compreender o que seja o surrealismo nos dias de hoje. Eu creio, isso sim, naquela intensidade a que chamarei mágica, e que jamais se pode integrar em sistemas ideológicos ou partidários, mas que poderia chamar outra coisa e que é domínio de todos e de ninguém. Essa chamada intensidade mágica, não pode, isto é o meu modo de ver, ser explicada por palavras, nem pode ser rotulada, ela é sobretudo uma sensação, sensação essa que podemos encontrar quando lemos um Éluard, mas que igualmente podemos encontrar quando lemos um Herberto Hélder, ou um Cesariny, poeta que muito aprecio, devo desde já dizer, ou um Luís Miguel Nava, ou um António Ramos Rosa, ou um Barahona ou um Krolow, ou um Octavio paz e por aí adiante. Por isso não creio, nem nunca acreditei em rótulos.
No entanto, respeito todos aqueles que se queiram rotular (a verdade é que os homens sempre se gostaram de rotular). E nem sequer sabia que o senhor se considera ou pertence a um grupo surrealista. E por isso nem sequer me estava a referir ao seu grupo. Pois também não sabia que existia um novo grupo surrealista em Portugal.
Importa ainda dizer que, como o senhor muito bem sabe, a palavra “surrealismo “, nem sequer é portuguesa, foi, de facto, importada da França, e foi usada por André Breton para definir o seu movimento, e que este, por sua vez , foi buscar esse termo à peça de Apollinaire : “ Les Mamelles de Tirésias “. E esse movimento foi, também, uma revolta contra o burguesismo e o racionalismo decadente daquele tempo, ou não será assim? Para isso Basta lermos os panfletos que os surrealistas escreveram, e foram muitos. E foi também uma renovação no modo de viver e pensar o mundo. E que todos os movimentos surrealistas que se espalharam pelo mundo viram sempre nesse surrealismo francês o seu modelo. E que quando se fala em surrealismo, nos dias de hoje, a primeira coisa a que as pessoas associam esse termo é ao movimento que foi encabeçado na França, do entre guerras, por Breton.
Porém, se o senhor usa esse vocábulo para definir ideias próprias ou originais, isso já é outra coisa. E nisso respeito-o, pois vivemos num mundo livre e cada qual tem a sua maneira de ver as coisas e como vejo o senhor tem um “surrealismo à sua meneira “. Mas a verdade é que o uso desse nome, nos dias de hoje, nada tem nada original e pode levar mesmo a confusões. E talvez tenha sido isso mesmo o que me aconteceu. E por isso desculpo-me. Pois não estava a pensar ofendê-lo (e parece-me que foi isso que aconteceu) e por que é que deveria eu querer ofender o senhor, se nem sequer nos conhecemos?
Para terminar ainda gostava de dizer que quanto àquilo que o senhor chama uma “ proposta e uma prática de imaginação e realidade, que está tão longe das politiquices d'abord como dos dramatismos para dourar a pílula”, também aí não existe nada de original. Muitos, senão a maior parte dos grandes escritores, pintores, etc. também pensaram e pensam assim e não se denominaram ou denominam surrealistas.
Senhor e. Jofre, e com isto despeço-me desejando-lhe muitas felicidades e longos anos de vida para o “ surrealismo à sua meneira “

Com respeitosos cumprimentos:

AMS

PS ao senhor Rui Ventura quero pedir desculpa por ter usado este seu espaço desmedidamente.

Ruy Ventura disse...

Este espaço defende a discussão livre. Portanto, façam favor!
Não nos esqueçamos que o Surrealismo foi sempre um anti-movimento, radicado em antepassados descobertos em escavação nos alicerces da cultura universal, e como tal nunca poderá ser enquadrado em limites temporais. A "escola" (no pior sentido do termo) surrealista ter-se-á finado - e ainda bem. A surrealidade continuará, penso eu, sempre existindo, como o provam as actividades existentes por esse mundo fora.