EDMAR GUIMARÃES




Massa Corrida



Ele, encostado agora na parede, perde a janela, mira outras imagens da sala. As mãos espalmadas parecem buscar fendas. O corpo se cola ao concreto, sente a respiração úmida dos tijolos, gosto de tinta. Líquidos se vertem em cimento. Ele sua.

A boca engole o reboco pela nuca; um pouco mais de esforço e postura de homo-sapiens, os calcanhares; as nádegas encostam-se noutro corpo duro; as mãos totalmente enterradas na parede, e, aos poucos, também o abdómen; com um leve tremor de músculos, os úmeros e as omoplatas.

Linhas do rosto fundem-se à superfície, mínimas trincaduras, caminhos de formigas deformam a espessura da massa corrida. Ele tenta dizer… Há uma pastilha de pedra sobre a língua. Os olhos imprensados nas pálpebras só veem arestas do recinto.

Tudo o que via, respirava, o espaço buscado além dos terraços do mundo… uma mácula na parede, uma marca de mofo mais encorpada. – A sombra mais escura lembra restos do esôfago, os dois furos amarrotados, talvez as pálpebras –.

A presença toda de um homem se traduz numa marca de gordura na parede, alguém jogará cal em cima, repintará como se cobre uma nódoa renitente do tempo.







As Coisas



Exaustas de ser, todas as coisas. Não pela natureza intrínseca, sentido o sopro das estações, mas por olhá-las da carne, o homem lhes deu superfície, quis a brisa no laboratório; o aroma dos primeiros instantes do mundo, num punhado de pedras.

O que se passou entre pirâmides, juntas e operários repetem. Do carpete de ouro e ácaros do corpo do faraó, o fugo acende o incenso, espectros do que um dia sonharam acordar de novo na carne que nunca cicatriza, vestida à gala, digo, gaza.

O que se revela é ponta de osso, iceberg que, escavado, expõe o riso de nós mesmos.

Nas escavações de antigos passos, nas grutas do âmago, nuns palimpsestos de desejos, desenhos rupestres, ou no chão mesmo rude do tempo aberto em sítio, o fóssil, punhado de peças, isso só, e fácil.

Tudo está exausto de ser pedra e lâmina cega de laboratório, de ser escavado até sua porção mais severa e insuficiente.

O que se busca traz no bojo algo mais denso que osso.



Textos retirados do mais recente livro do escritor goiano/brasileiro Edmar Guimarães, Cápsulas dos Dias (Editora KELPS / Editora da UCG, 2009). O volume tem um prefácio da ensaísta Wania Majadas e um posfácio do poeta e ficcionista Miguel Jorge, reproduzindo na capa um óleo de José Amaury de Menezes. Micro-contos ou contopoesia? “Em cada nova cápsula deste livro existe um tempo de um dia que enseja códigos de disfarçada loucura e que corre em idas e vindas pelo universo que vai além do real ao imaginário, como se o autor quisesse captar os olhos de seus inúmeros personagens” (Miguel Jorge).

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