POEMAS
DE MÁRCIO-ANDRÉ
OS PLANETAS
3 batimentos
2 céus do lado esquerdo – malcolados
um campo de parabólicas
para azeite de antenas
e o mar com sedimento de planetas
[o mar fez-se a si mesmo de seu celofane verde
tirou das tripas o ocidente
traçou na pele um autómato de estrelas
– iluminuras no dorso de um dromedário]
no princípio foi o giro
e sua sinfonia de esferas
[só é verdade a parte que se desconhece]
a partitura do architeto
sua planta fotogramétrica
A SOMBRA
teu olho é vidro de morder
e o dorso improvável soprado no gás
queimado a sais de prata
nascido do primeiro sonho
não termina e não começa codificado nos objectos
ainda não existia encaixe entre as coisas
nem as formas nem as cores
siemens
designers for life
tirando tua sombra sobra o mundo inteiro
AS LIBAÇÕES
e depois de orar e polvilhar farinha
degolam e destroncam bois
esfolam touros
coxas cortam pernis apartam
envolvendo em gordura de dupla camada
e talhos crus lançados sobre
velhos queimam a carne na brasa
derramam por cima o vinho agridoce
com garfos moços manejando bifes
pernis tostados
saborear filetes degustar entranhas
o resto retalham em tiras e assam no espeto
peritos
ao fim do trabalho o banchete:
cada um a seu gosto: ancas e nacos
homens se nutrem em farta festa
vertem plenas crateras de vinho
delibam lambendo boca
graxa de tripa nos dedos
e assim pelo dia com cantos e danças
dânaos aplacam Apolo – péã para o guardião
que alegra-se no coração ao ouvi-los
Poemas retirados de Intradoxos, livro publicado por Márcio-André (Rio de Janeiro, Brasil, 1978) em 2007. A sua poesia foi considerada por Boaventura de Sousa Santos (para além de sociólogo, um poeta que Portugal deveria ler com outros olhos mais esclarecidos) como “uma das mais notáveis da sua geração”: “[…] é uma luta permanente com a língua. O seu experimentalismo não é abstracto (ou seja, concretista), é antes a sua maneira de interpelar uma tradição asfixiante e ao mesmo tempo vazia.”
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