PORTUGAL
(alguns fragmentos)
Entraríamos em Portugal pela Portela do Homem e deixar-nos-íamos surpreender pela frescura sombria, misteriosa e religadora da Mata da Albergaria, onde, numa tarde de Agosto, retivemos a imagem de três cavalos selvagens subindo uma das encostas do Gerês, por entre árvores, a forte presença do granito e, ao longe, o azul da água parada, mas brilhante, das barragens.
Subiríamos, sempre e sempre, ao telhado da igreja do Coração de Jesus, no monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo, para encontrarmos uma das faces deste Portugal que apetece contemplar todos os dias. E o vento levaria de novo as palavras que não dissemos, mas tentámos registar nas fotografias com que resguardámos a paisagem: a cidade espraiando-se até à foz do rio, para não deixar partir aquele doce companheiro; o Lima e os pinhais dialogando em silêncio – porque só em silêncio se pode dialogar com a voz da terra.
Beberíamos a água (hoje inexistente) da Fonte da Urze, em Carrazedo de Montenegro, para nunca mais partirmos desse Bairro do Prado e, aí, ficarmos sentados debaixo do negrilho, a escutar as mulheres que debulham feijão e os homens que falam da terra como de uma mãe que os alimenta. Desse recanto de Trás-os-Montes guardaríamos ainda o odor do vinho, das castanhas e das maçãs, encontrando assim forças para subir ao “castelo” da Corveira, guiados pela aliança entre o Homem e o Universo que alguém gravou há milénios numa laje voltada a nascente.
Deter-nos-íamos num dos miradouros da estrada que desce de Vila Nova de Foz Côa até ao Pocinho, para vermos o Douro ao longe, para adivinharmos o vinho que cresce nas encostas que o sol abrasa e o voo dos habitantes desses pombais hoje vazios, para saborearmos com os olhos as ondas do Mundo – esse mar cuja água, apesar de salgada, queremos sempre beber.
Veríamos ao longe as luzes da Idanha, a partir da varanda coberta da casa da Ventosa, bem no centro da Serra da Malcata, sem companhia sequer próxima, a não ser a do cuco num pinheiro vizinho e a do vento subindo os montes, tranquilos, quentes e agrestes. E almoçaríamos, dias depois, naquele lagar da Aldeia de João Pires, em que os engenhos extraem agora apenas a luz da memória.
Subiríamos, mesmo num dia de trovoada, ao alto do castelo de Évora-Monte ou ao pico da Serra de São Mamede, para termos sempre a certeza de que o nosso Alentejo é verde, como escreveu Sebastião da Gama, duma verdura que reserva e fermenta a Esperança que a largueza do horizonte nos confia.
Desceríamos ao Portinho da Arrábida, num dia em que houvesse pouca gente, vencendo a ventania junto ao forte, para ouvirmos de novo Frei Agostinho da Cruz, que ainda hoje fertiliza esses montes em que poucos ousam penetrar, mas tantos desejariam ter como morada.
Visitaríamos com tempo Moncarrapacho para lermos, sem pressas, o livro que a mão do Homem (ou de Deus?) quis escrever na fachada da sua igreja matriz, em pedra branda, como a Palavra que nos levanta a Alma, com traços e gestos firmes, como a Mão que nos leva ao Alto.
Desceríamos, noutra tarde de calor, o sinuoso caminho até ao estreito areal da praia da Carriagem, para recebermos nos pés o calor dos seixos e da areia, para termos entre os dedos o veludo escorregadio dos limos, para bebermos a água que nasce de rochedos que nos fazem sentir tão pequenos e, ao mesmo tempo, para ouvirmos apenas o fragor das ondas, convidando à meditação.
Sentar-nos-íamos – por fim – sobre os rochedos do Cabo de São Vicente, à esquina deste país, tentando ouvir a voz negra dos corvos que um dia acompanharam o corpo do mártir, escutando – sinos incessantes desse templo que habitamos – o mar, o vento, a terra e o fogo que ilumina esses olhos que não vemos, mas que não deixam de contemplar-nos.
(Com este texto, desejo a todos umas férias repousantes – especialmente àqueles que não podem sair da sua terra, devido às circunstâncias da vida. Até Setembro!)
2 comentários:
Também eu desejo boas férias ao Ruy.
Neste tempo de alguns fogos, de espantos e de guerras - em que intelectuais portugueses, sempre os mesmos no seu apoio discreto aos que pretendem destruir Israel e a democracia (por defeitos que tenha) e a modernidade (por romba que esteja), esquecendo(?) que os terroristas não são pobres coitados mas gente determinada manipulada por chefes fanáticos - assinam um manifesto onde se mistura o politicamente correcto com a má-consciencia burguesa e algum cinismo.
Boas férias para todos, igualmente, na paz do Senhor e do Homem.
Boas férias, muitos poemas.
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