PROSÉLITOS
DO NEONATURALISMO (2)

João Luís Barreto Guimarães não foi o primeiro autor a atacar aquilo a que chamou a "poesia abstracta" - nem será, decerto, o último a fazê-lo. Infelizmente, o desdém nunca tem sido suficientemente claro para que entendamos o que pensam ser a tal abstracção poética. Partindo do princípio de que não confundem conceitos tão diferentes quanto os de "abstracção", "hermetismo", "surrealidade" ou "simbolismo", então os prosélitos desta batalha têm produzido juízos propositadamente ambíguos, ferramentas propícias para lançarem o anátema sobre todas as formas poéticas que não partilhem do neonaturalismo (expressão feliz de Levi Condinho) que vêm adoptando como veículo dos seus poemas. Alguns dos recém-convertidos não hesitam mesmo em repudiar pela calada várias obras suas, como por exemplo o supracitado autor de Rua 31 de Fevereiro, subscritor no início da sua deambulação pela república das letras de três bons livros que, nos seus critérios, podem ser considerados "abstractos"...
Este proselitismo neonaturalista - revestido sempre de boas intenções ("generosas", como diriam os sequazes mais ortodoxos do neo-realismo militante dos anos '40 - '50) - vem sendo agarrado (ou reinventado) pelos chamados "poetas sem qualidades", integrados num apostolado falsamente realista que tem como guru Joaquim Manuel Magalhães, mas, no fundo, bem no fundo, se reveste de um subreptício epigonismo de certas linhas mais facilitistas de alguma poesia anglo-saxónica e da "poesia da experiência" hoje divulgada e fabricada nalguns meios espanhóis.

(continua)

10 comentários:

Anónimo disse...

Subscrevo, Ruy Ventura. O neo-naturalismo serve a certa gente para disfarçar o esvaziamento que os apanhou. Noutros casos para camuflar a falta de talento. Some e siga.

Anónimo disse...

O facto mais evidente é que esta poesia da não-abstracção(?) é em muitos dos casos mais mediatizados uma longa série de actos de cedência a mecanismos simplificados de construção poética,com abandono nítido da (re)construção da linguagem.
Por outro lado, e apesar da sua inflexão nos livros mais recentes, não incluiria JLBG nos poetas embebidos de um longo esvaziamento.
JLBG sempre ultrapassou a posição que defende.

Ruy Ventura disse...

Considero que os primeiros livros do João Luís Barreto Guimarães não são absolutamente neonaturalistas. Mas o que está em causa nesta série de posts não é a prática poética dos prosélitos, mas a contestação do seu ataque ao que chamam "poesia abstracta", termo que inclui todas as formas poéticas que não vestem a pele da estética em que militam.

Anónimo disse...

Estou inteiramente consigo nessa contestação, até porque a poesia mais interessante pouco precisa de vínculos ou programas pelos quais possa continuar o seu caminho.
Além disso, a militância de uma estética de "família" (e sobretudo a que insiste no repúdio pela que dizem abstracta) não é grande justificação técnica para um poeta.
um abraço e força

Anónimo disse...

O mundo do futebol é mesmo assim mais limpo que o dos literatos. Ali um jogador que não marca golos nem joga bem não pode ser.
Na "literatura" pode haver e há medíocres que são promovidos a génios pela camarilha.
Viva o Belenenses!

Anónimo disse...

30 anos depois do desmascaramento do neo-realismo ou seja realismo-socialista à portuguesa ou seja ainda propaganda disfarçada pró poviléu ainda há quem se atreva a vir com fósquinhas de poesia concreta e tal sem ser corrido a assobios que é só o que merecem?
Somos otários, querem fazer-nos de otários?
Só cá é que ainda se lhes liga, são donos da cena.

Anónimo disse...

Ó Ruy, carago, se fizeres favor podes ajudar-me aqui numa coisa? É que agarro no meu "blogo", aperto, espremo, mas o corno não deita nada, nem uma imagem nem a porra dum simples anacoluto. Será que se fizer uma lavagem ao estômago da inter-actividade aquela merda fique mais limpa e me possa sair ao menos um oxímoro ou um pet ilustré?

Anónimo disse...

Pois eu gostei da educada gentileza que denota o autor de "Rua 17 de Agosto" e doravante vou passar a lê-lo apesar de os seus versos já não excitarem nem um cavalo de Alter. A bondade de maneiras é sempre recompensada.

Anónimo disse...

Para Louca: percebe-se a ironia, mas entendo que podia evitar expressões como "cavalo de Alter", que me parece deslocada em relação ao autor de tantos versos inesquecíveis.

Anónimo disse...

Pedro Ferreira, parece-me que v. não percebeu. A minha frase que lhe causou engulhos é uma homenagem neo-realista, vem dum poema que a certa altura diz assim:"montei cavalos de Alter/ vi galgos de Montemor" etc. Temi ser mal interpretado se aludisse aos galgos e optei então pelos cavalos.
E que melhor homenagem ao Poeta que uns versos do grande José Maria Antunes da Silva (JMAS), semelhante não só no talento como também na musicalidade do nome em stacatto?