Retábulo (4)


retrato


sangue nos olhos. sangue
nos olhos, nos ouvidos,
nas narinas e na boca.
– imagens de outro sangue
que as mãos afastam da cegueira.
a tinta (do coração?)
atravessa esta sala. despede-se
do mundo. permanece
neste mundo onde um olhar
salgado
antevê linhas e cores
que escavam o papel.
a ferida obscurece
o corpo luminoso.
escurece e ilumina.
ilumina esta mão
que tenta dissolver a agonia.


[Edgar Degas, “Auto-retrato”, 1910]

2 comentários:

Anónimo disse...

Ele próprio,o outro mesmo, o quadro, em carne e osso, ali nas Janelas Verdes até Setembro. Depois rumará a outras paragens e no fim da viagem, ficará refém de um qualquer que o comprar, e poderá desaparecer para sempre dos olhares anónimos que lhe dão Vida.

Ruy Ventura disse...

quando visitamos esta exposição da colecção Rau é essa a maior angústia que nos assalta: sabermos que, passados uns anos, estes quadros vão sair da nossa vista, definitivamente; foi por isso que comprei o catálogo, como uma espécie de relicário