Nicolau Saião

O MASSACRE DOS INOCENTES

“O governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, avançou esta sexta-feira que «há mais de 13 milhões de operações de crédito» e que, por esse motivo, não lhe compete ver tudo. «Há certas coisas que podem existir e que podem não ser encontradas. São encontradas normalmente por acaso ou por denúncia como neste caso (BCP)», disse Vítor Constâncio no Parlamento, onde está a ser ouvido no âmbito de alegadas irregularidades na instituição financeira. “
(Dos jornais)

As declarações do sr.governador do Banco de Portugal (sublinho: de Portugal, não do Governo, do Estado ou de qualquer fabiano de vulto) são uma pérola que despertaria comicidade se não tivesse um eco trágico. Com efeito, dão bem o tom do descalabro a que chegou esta "democracia tendencial", em que os mandantes, apesar da prosápia que ostentam, parecem - a atender a estas declarações que nos deixam estupefactos - estar enfronhados numa brincadeira de garotos.
Não lembra ao diabo o sr. governador dizer que não tem possibilidades de ver tudo. Se não vê, se isso é de facto assim, devia procurar arranjar os mecanismos que obstassem a que qualquer aventureiro do sector argentário possa fazer o ninho atrás da orelha ao Povo, ao Estado a que deve contas. Além disso, parece-nos que o cidadão vulgar não deve gozar certamente da possibilidade material (a não ser que disponha dos poderes do Mandrake) de conseguir tirar milhões da cartola, para empregar esta expressão que desejaria sugestiva...
O que o sr. governador, que é regiamente pago e muito bem, pois deve fazer um trabalho excelente, nos deixa inferir - é que o Estado de que é alto funcionário está inerme como um anjola perante os díscolos de alto coturno. Assim sendo, eu pasmo (ou não pasmo, o que vem a dar no mesmo) e fico com a certeza, material e comezinha, de que esta democracia tão festejada pelo sr. primeiro-ministro e outros maravilhosos mantenedores do progresso que nos envolve está de facto, como costuma dizer-se, “de cabeça para baixo”.
Não fui o primeiro a fazê-lo - outros antes de mim, na Assembleia da República, já disseram coisas que o sr.governador certamente apreciou, porque decerto, apesar da sua aparência macambúzia, é pessoa com senso de humor. Mas eu quero dar-lhe os parabéns pela sua “verve”.
O país necessita, como do pão para a boca, de pessoas assim expeditas e vivazes!

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