As velas da memória

Há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida

Abrir esse portão junto ao vento que a vida
aquém ou além desta me abre?
Em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
Onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
Que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.

Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? Como te chamas tu
que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?

Quando aonde foi em que país?
Que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
Que morte vem matar a lábil curva da dor?
Que dor me faz doer de não ter mais que morrer?

E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder

Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates

(no dia do 75º aniversário)

7 comentários:

Anónimo disse...

LEMBRO DE UM ENSAIO QUE VI NA INIMIGO RUMOR SOBRE RUY BELO. AINDA AQUI NO BRASIL ELE NÃO É CONHECIDO COMO DEVERIA.

Ruy Ventura disse...

é um grande poeta, amigo afonso, dos maiores da nossa língua!

Ruy Ventura disse...

é um grande poeta, amigo afonso, dos maiores da nossa língua!

Memória transparente disse...

Um Poeta com letras maiusculas.
Excelente!

Anónimo disse...

Para Afonso: vai sair na Agulha de em breve um ensaio sobre Ruy Belo da autoria de um novo colaborador. Assim se o fará, como merece, mais conhecido no Brasil. And counting, outras coisas aparecerão.

Fl.M.

ruialme disse...

mir... "Um Poeta com letras maiusculas." é capaz de ser a última coisa q Ruy Belo gostasse de ver escrito sobre si. Ele q disse q nenhuma palavra deve levantar o pescoço no verso.

Ruy Ventura disse...

Boa ironia... As primeiras versões dos poemas dele têm no entanto maiúsculas e, além disso, nunca escreveu o nome sem elas, como o nosso contemporâneo valter.
um abraço!