Nos 500 anos do massacre de Lisboa
Catarina Dias
cantava, nesse tempo,
a oração dos mortos,
ligando no tear
os fios da memória –
devolvia a água
à raiz da oliveira
para que o sangue
pudesse alimentar
a luz (e as sombras)
dessa terra –
lançava sobre o lume
o sabor e a sabedoria
para que o fermento
envolvesse a solidão –
bebia na fonte
o brilho da pedra,
guardando no cântaro
a angústia das palavras –
guardava no peito
o fogo e a fuga,
o leito que um dia
fechara a garganta –
– quando vieram, sem sombra,
impor sobre o corpo esse peso
sem vida
e a vestiram de noite,
embora fosse branco
o hábito perpétuo.
NOTA: Ao construir a minha árvore genealógica, deparei-me com um nome estranho: Catarina Dias, a Purgatória. Tentei investigar de onde viria essa designação. Achei Catarina membro da família Narigão (de Castelo de Vide) que, em conjunto com os Tirados, fora severamente atormentada pelos sequazes da Inquisição. Catarina estava incluída no número dos sofredores: embora não tivesse visto as suas cinzas misturadas à terra do Rossio de São Brás de Évora, local de autos-de-fé, fora obrigada a usar durante toda a vida o odioso "sambenito". Daí o alcunha.
No dia em que se comemoram os 500 anos do grande massacre dos judeus de Lisboa, é meu dever como católico praticante publicar este poema. A memória não se apaga, mas temos a obrigação de utilizá-la para melhorarmos o presente e o futuro. Para que nunca mais existam ser humanos que, invocando o nome de Deus em vão, torturem e matem os seus inocentes semelhantes.
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1 comentário:
Obrigada, como crente, embora não sei se muito católica.
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