FIRMINO MENDES
Alentejo
Escolhe-se uma palavra no plural – ondulações,
para poder dizer tudo o que és, com cheiro
a papoila e a montado, a coentros e orégãos,
à volta das casas brancas. A terra é de mais
– ondulada volteia, gira na distância plana.
À porta dos montes ladram alguns cães
– os mesmos que rodeiam os rebanhos
que transportam a música pelos valados.
Aos largos das vilas chegam alguns homens
– os mesmos que afagaram e bafejaram a terra
e esperam a morte como um surdo regresso.
Tão forte – tão de pão, vinho e cortiça.
Tão frágil – de aromáticas ervas na cozinha.
Tão ondulado – o pão, as migas.
Tão áspero – a cortiça, os cardos.
Tão doce – conventuais delícias.
Outro Alentejo
O céu múltiplo à noite, no monte abandonado às aves
ou esta festa de gente para o girassol que nasce:
– as casas térreas brancas alongadas, os poços redondos,
as cegonhas, as garças, a nespereira cheia, o tronco negro
dos sobreiros cheios de cortiça, as figueiras, as roseiras bravas,
a semente das papoilas no inverno.
Que flor lilás cobre o campo de Maio,
ao lado da camomila branca e do malmequer?
A luz dos olhos: – este texto branco ao lado das casas,
como o rebanho que passa em plano, cobrindo tudo e mostrando
as cores dos corpos, dos figos, das pedras, da alfarroba.
Quem poderá dizer o berço das memórias?
Tão perto parou o tempo: – parece um verso dizê-lo ou um silêncio
neste montado onde adormecem todos os animais perdidos.
A cortiça tem a sombra das figueiras, ao lado da casa, ou um caminho
de vento para a viagem. De quem a corta poucos falarão no poema
e de quem a afaga nunca se falará neste lugar entre mar e Espanha,
tão múltiplo como o céu que o protege.
(nº 14, 29/6/2001)
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