JOSÉ DO CARMO FRANCISCO
Louvor e glorificação
do senhor António
Chama-se Maria da Conceição a mais bela habitante da Beira Litoral da colheita de 1954 e teve a feliz ideia de me apresentar o senhor António. Ora o senhor António é daquelas pessoas que pode trabalhar muito mas não vai enriquecer. O seu fato de todos os dias é o fato-macaco e o lugar é a oficina de mecânica onde a sua arte pontifica. Chamar-lhe arte é pouco. No senhor António é mais do que arte; é ciência. Para ele a possibilidade de reparar uma avaria num automóvel é sempre a oportunidade de exercitar o seu sentido de poupança, de desenrascanço e de honradez. É que o olhar do senhor António é mesmo honrado e límpido. Ele quer ajudar as pessoas a resolverem o problema que é o automóvel avariado. Ele não tem o sonho de enriquecer à custa dos automóveis dos seus clientes. Por isso o senhor António mostra as peças que foi preciso substituir. Por isso o senhor António chega a perguntar se o cliente não se importa que ele compre uma nova placa de matrícula para o lugar da outra já velha de oito anos. E a placa custa só cinco euros. Por isso o senhor António perde uma manhã na inspecção da viatura do seu cliente mas no fim cobra apenas vinte euros pelo seu trabalho. E todos nós sabemos que uma manhã de trabalho para nós vale mais que vinte euros. Para o senhor António também. Percebe-se que o senhor António não enriqueceu nem vai enriquecer. Isto em termos de dinheiro. Mas a amizade, o respeito e a consideração dos seus clientes vale mais do que o dinheiro. Vale o sorriso do senhor António que sente prazer em ajudar os seus clientes que chegam à oficina preocupados e partem tranquilos. E esse sorriso não tem preço nem em euros nem em qualquer outra moeda.
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4 comentários:
DEpois de lermos este texto, apetece-nos perguntar: «Onde fica a oficina do senhor António?»
Sabe bem ler um texto, sobre alguém, para quem o dinheiro está longe de ser a primeira prioridade da vida.
É verdade, amigo Zé: onde é a oficina do senhor António?
Gente como este senhor António povoou-me a Infância. O meu pai era operário numa oficina onde cada uma tratava uma das partes do automóvel,o meu pai estava encarregue dos estofos. Cresci a vê-los farruscados naquele espaço lugubre onde o meu pai ocupava o sotão que não tinha mais de 6mtros quadrados, preenchidos pela máquina de costura e a bancada, onde de um lado se amontovam bancos e do outro, a napa esticada, a cola e a tesoura enorme que me atestava a importância de meu pai, mais ninguém tinha uma tesoura daquelas. Quarenta anos passaram e o meu pai que não se chama António mas cujo nome lhe cabe inteiro, hoje com 76, não se querendo dar conta das tecnologias e das viragens no negócio, lá continua naquele espaço quarenta anos mais lúgubre, a esgravatar a bucha, fazendo de um estofo roto que alguém ainda achou útil remendar, assento de rei porque, todo ele trabalhado pelas mão de um rei, se tornará em peça única.
Como a sua vida de trabalho e de homem livre, não lhe trouxe o amparo de uma confortável reforma, exige morrer com dignidade
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