Homenagem a MÁRIO CESARINY (1923-2006)
Morrer sim,
mas devagar…
No triste jet set das letras (melhor seria dizer trocaletras) da nossa praça, para além daqueles que o estimaram e o souberam ler e ver havia dois grupos de fabianos sempre de goela aberta para melhor devorarem (tentar devorar) o universo conceptual que o norteara, de que se reivindicava e onde se inventava mesmo velho e doente: o surrealismo.
Esses dois grupos, pequenos jogadores das escritas e das pinturações, eram ou são: os que lhe exaltavam a pintura para melhor lhe rebaixarem a poesia e os que lhe elevavam a escrita para mais eficazmente lhe escaqueirarem o mundo plástico. Mas – e o truque nefando consiste nisto – no fundo não era a ele que visavam, tanto mais que a manobra já não colhia por ele lhes ter escapado para outros olimpos mais específicos. O que essa gente tentava e tenta era impedir que companheiros mais novos e com outras soluções de continuidade ficassem sem voz, tão submersos como nos tempos da ditadura que ele detestava, como detestou todas as outras.
Essa gente, permitindo-lhe agora existir sem peias depois de durante os princípios da sua vida o buscarem liquidar e emudecer, queriam que ele se tornasse um refém dos que em Portugal põem e dispõem através da mentira cultural que vê a escrita e a literatura como aparelhagens para fazer “fins de meses” ou carreiras que eles mesmos controlam…
Hoje como ontem, num país onde a realidade já está mais que apodrecida, o surrealismo continua a perturbar porque não é um álibi para mercadores de carne assassinada. Por isso o acatitavam, fingindo que o amavam, visando transformá-lo numa espécie de faraó que caucionasse melhor as tentativas de extinção de um pensamento que é existência em todas as direcções e que ele sempre perfilhou.
Durou 83 anos. Fez o que pôde e como pôde para exemplificar que as palavras que de facto contam passam pelos continentes da liberdade, do amor humano e do espírito sem algemas.
E, apesar dos zoilos e dos medíocres continuarem a tentar queimar o “castelo encantado”, que para eles tem a forma de literatice ou de convenção imagética - seja neste país, seja nos outros onde vivem e actuam muitos companheiros de sonho e de vigília, a busca da maravilha continua.
Nicolau Saião
2 comentários:
Subscrevo por inteiro este texto do Nicolau.
A mágoa deve ser paralela à lucidez, disse A.M.Lisboa "a crítica é a razão da nossa permanência".
Não digo adeus ao Poeta.
Li e concordei com... o amigo Nicolau. Mas deixemos os mercadores e os seus esquemas mesquinhos, que a verdade será sempre o oposto da sua ilusão. Cesariny condensou-a assim:
O poeta
O Poeta
O POETA
destrói-vos
Por isso, amigo, vá escrevendo, pintando e fazendo tudo o resto que lhe der na real gana, que, isso sim, como apontava Cesariny, é o que elimina a bicharada rasteira. Demora tempo, mas cada passo em frente torna-se irreversível.
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