EUFEMISMOS
A degradação da linguagem escrita e falada tem sido, ao longo da História, um sintoma de erosão social. Quando se começa a dulcificar, com eufemismos, as realidades duras que nos envolvem, demonstra-se uma hipocrisia generalizada, bem-comportadinha, politicamente correcta.
Não se resolve a violência que nos enquadra. Camufla-se. (Assim no nosso tempo e no espaço ocidental e português que habitamos.)
Como qualquer lixo que se esconde debaixo do tapete, mais cedo ou mais tarde surgirá em toda a sua podridão infecta, revelando uma "guerra" até aí oculta sob uma falsa paz (que tanto nos angustia). Nesse momento, como referiu um dia Charles Dickens, o mais difícil é parar o terramoto. É muito fácil iniciá-lo - mas suspendê-lo é quase impossível.
EM RODAPÉ
A notícia passou no dia 20 em nota de rodapé. Após vários anos de morte cerebral, causada por uma doença degenerativa, Fiama descansou. Enquanto outros, independentemente da qualidade da sua obra, mereceram destaque mediático na hora da morte, mercê devida ao "teatro" que os rodeava, Fiama Hasse Pais Brandão - sendo igualmente um dos pilares da casa da nossa poesia contemporânea - foi remetida para o lugar dos poetas nesta sociedade portuguesa, o Hades-Paraíso da discrição, do apagamento, da irrelevância mercantilista. Não sei se me revolte se fique satisfeito. Elogios vindos de certa comunicação social e de certas bocas são mais mortíferos do que setas envenenadas.
A notícia passou no dia 20 em nota de rodapé. Após vários anos de morte cerebral, causada por uma doença degenerativa, Fiama descansou. Enquanto outros, independentemente da qualidade da sua obra, mereceram destaque mediático na hora da morte, mercê devida ao "teatro" que os rodeava, Fiama Hasse Pais Brandão - sendo igualmente um dos pilares da casa da nossa poesia contemporânea - foi remetida para o lugar dos poetas nesta sociedade portuguesa, o Hades-Paraíso da discrição, do apagamento, da irrelevância mercantilista. Não sei se me revolte se fique satisfeito. Elogios vindos de certa comunicação social e de certas bocas são mais mortíferos do que setas envenenadas.
Dois poemas de
FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
(em jeito de homenagem)
Para N.G., R.B., L.N.J., C. de O., L.M.N.
e os outros que já viveram
Tantos poetas morreram, em minha vida,
antes de mim, não só no sangue ou só na carne,
mas na portuguesa língua.
Deles fica a obra que fizeram.
Todavia vocábulos, para sempre
insonoros, ou no futuro incriados,
demonstram que os poetas todos
morrem sempre mais na língua.
(in Cenas Vivas)
Os amigos que morrem: Luiza, Carlos de Oliveira
Os amigos que morrem são arbóreos,
plantados e memoráveis como freixos.
Um freixo, que vejo entre árvores
com a aura, o tronco novo
sulcado de rasgões, a raiz curta
comparável à memória viva enterrada.
Têm uma única forma até à morte,
próximos do Sol, que torna as outras
árvores mais ténues que os isolados freixos.
(idem)
FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
(em jeito de homenagem)
Para N.G., R.B., L.N.J., C. de O., L.M.N.
e os outros que já viveram
Tantos poetas morreram, em minha vida,
antes de mim, não só no sangue ou só na carne,
mas na portuguesa língua.
Deles fica a obra que fizeram.
Todavia vocábulos, para sempre
insonoros, ou no futuro incriados,
demonstram que os poetas todos
morrem sempre mais na língua.
(in Cenas Vivas)
Os amigos que morrem: Luiza, Carlos de Oliveira
Os amigos que morrem são arbóreos,
plantados e memoráveis como freixos.
Um freixo, que vejo entre árvores
com a aura, o tronco novo
sulcado de rasgões, a raiz curta
comparável à memória viva enterrada.
Têm uma única forma até à morte,
próximos do Sol, que torna as outras
árvores mais ténues que os isolados freixos.
(idem)
RAZÕES DE UMA OPÇÃO
Acredito na bondade das intenções de grande parte dos defensores do “sim” no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro. Há, no entanto, aspectos que devem ser ponderados quando se trata de avaliar a opção pelo “sim”. Só de forma consciente se pode optar, julgando não as aparências de bondade, mas as reais intenções de quantos, politicamente, desejam a alteração da lei vigente.
Há perguntas a que tentei responder logo que tomei conhecimento da pergunta a referendar. Era preciso perceber certas opções da proposta de questão, para evitar o risco de manipulação. Saber por que razão aí se usa o substantivo “despenalização”, que motivos levam à adopção da expressão “interrupção voluntária da gravidez” ou que posições fizeram estabelecer a fronteira das “dez semanas” de gestação.
Comecei pela expressão “interrupção voluntária da gravidez”. Se todos parecem concordar que o aborto é um mal, uma prática maligna em termos médicos e éticos, porquê camuflá-lo sob vestes angelicais? Vivemos numa sociedade com estômago fraco... Afasta o realismo das palavras duras pela ligeireza bem-comportada e politicamente correcta dos eufemismos. Este travestismo verbal é apenas um dos sintomas da hipocrisia social em que estamos mergulhados, um dos muitos agentes de corrosão da verticalidade e da justiça que tornam suportável viver neste mundo. Cada vez que alguém utiliza meias-palavras para falar de realidades violentas está a menorizar o seu ouvinte, infantilizando-o, enganando-o, manipulando-o. É esta a prática política que de há uns tempos se instalou no nosso país e noutros que o circundam. Uma prática que visa a estupidificação e a alienação dos cidadãos. Chamar “interrupção voluntária da gravidez” ao aborto é branqueá-lo, torná-lo venial ou acto sem gravidade ética – quando aparentemente se afirma o contrário.
A hipocrisia alarga-se ao termo “despenalização”. Se acreditassem verdadeiramente no termo que utilizam, os proponentes deste referendo deveriam ser consequentes e “despenalizar” (ou seja, eliminar as penas inscritas na Lei) toda e qualquer prática de aborto levada a efeito por uma mulher, conservando no entanto a criminalização, na medida em que uma lei positiva e eticamente consequente considera como crime qualquer prática lesiva dos indivíduos ou da sociedade em geral. A solução adoptada pela pergunta do referendo consiste no entanto numa camuflagem. Qual camaleão, menciona “despenalização” quando na realidade qualquer jurista mediano pode provar que a consequência será a descriminalização do aborto até às dez semanas de gravidez. O aborto, sendo mau – como todos afirmam, com verdade ou com hipocrisia –, deixará de ser um crime, desde que praticado até esse período. Afasta-se assim a letra da lei da ética mais elementar, o que é muito grave para o equilíbrio social e para a subsistência de um estado justo.
As meias-trintas de alguns dos nossos políticos não permitem, no entanto, grandes avanços explícitos. Deixa de ser crime até às dez semanas, mas não se percebe por que continuará a sê-lo depois disso... Para manter as aparências? Por mais voltas que dêem à argumentação, a formação vital do ser humano inicia-se na sua concepção e não dez semanas depois dela. A identidade cromossómica começa nesse momento fundacional. O que é crime aos três meses é-o também aos dois meses ou antes disso. Só se entende assim esta opção cronológica se a virmos como uma forma de tapar o sol com a peneira. Quem, tendo liberdade de abortar até às dez semanas, o fará depois dessa barreira? Muito poucas. Ou apenas aquelas que não têm outro remédio.
O que mais custa nesta “necessidade” de mudança da Lei, levada a cabo por políticos só aparentemente progressistas, é que, apesar da sua “preocupação” com a liberdade de escolha das mulheres, nada ou pouco operam em benefício de quantas desejam ver nascer os seus filhos. Não existe uma verdadeira política de fomento da natalidade, como noutros países europeus. Fecham-se maternidades. Não se facilitam os processos de adopção de crianças entregues por mães ou famílias com fracos recursos. Não se criam condições logísticas ou materiais para as mães em dificuldades – deixando-se essa tarefa aos “hipócritas” que defendem a natureza criminal do acto abortivo. Não se publica legislação laboral de apoio à família e às mulheres grávidas. Apetece escrever: é mais fácil normalizar a morte de embriões em crescimento, promovendo o negócio das clínicas privadas, do que criar condições para que vivam, nasçam, cresçam e melhorem a sociedade.
Por tudo isto, e por muito mais, não posso concordar com a descriminalização do aborto praticado até às dez semanas. Nunca concordarei com práticas governativas que lancem o lixo para debaixo do tapete e não mexam uma palha para resolverem os problemas existentes. As mulheres que praticam o aborto precisam do nosso perdão, mas nunca poderão ser desculpabilizadas. Um ser sem culpa, sem responsabilidade pelos seus actos, é um ser menor, deficiente – logo sem direitos.
Acredito na bondade das intenções de grande parte dos defensores do “sim” no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro. Há, no entanto, aspectos que devem ser ponderados quando se trata de avaliar a opção pelo “sim”. Só de forma consciente se pode optar, julgando não as aparências de bondade, mas as reais intenções de quantos, politicamente, desejam a alteração da lei vigente.
Há perguntas a que tentei responder logo que tomei conhecimento da pergunta a referendar. Era preciso perceber certas opções da proposta de questão, para evitar o risco de manipulação. Saber por que razão aí se usa o substantivo “despenalização”, que motivos levam à adopção da expressão “interrupção voluntária da gravidez” ou que posições fizeram estabelecer a fronteira das “dez semanas” de gestação.
Comecei pela expressão “interrupção voluntária da gravidez”. Se todos parecem concordar que o aborto é um mal, uma prática maligna em termos médicos e éticos, porquê camuflá-lo sob vestes angelicais? Vivemos numa sociedade com estômago fraco... Afasta o realismo das palavras duras pela ligeireza bem-comportada e politicamente correcta dos eufemismos. Este travestismo verbal é apenas um dos sintomas da hipocrisia social em que estamos mergulhados, um dos muitos agentes de corrosão da verticalidade e da justiça que tornam suportável viver neste mundo. Cada vez que alguém utiliza meias-palavras para falar de realidades violentas está a menorizar o seu ouvinte, infantilizando-o, enganando-o, manipulando-o. É esta a prática política que de há uns tempos se instalou no nosso país e noutros que o circundam. Uma prática que visa a estupidificação e a alienação dos cidadãos. Chamar “interrupção voluntária da gravidez” ao aborto é branqueá-lo, torná-lo venial ou acto sem gravidade ética – quando aparentemente se afirma o contrário.
A hipocrisia alarga-se ao termo “despenalização”. Se acreditassem verdadeiramente no termo que utilizam, os proponentes deste referendo deveriam ser consequentes e “despenalizar” (ou seja, eliminar as penas inscritas na Lei) toda e qualquer prática de aborto levada a efeito por uma mulher, conservando no entanto a criminalização, na medida em que uma lei positiva e eticamente consequente considera como crime qualquer prática lesiva dos indivíduos ou da sociedade em geral. A solução adoptada pela pergunta do referendo consiste no entanto numa camuflagem. Qual camaleão, menciona “despenalização” quando na realidade qualquer jurista mediano pode provar que a consequência será a descriminalização do aborto até às dez semanas de gravidez. O aborto, sendo mau – como todos afirmam, com verdade ou com hipocrisia –, deixará de ser um crime, desde que praticado até esse período. Afasta-se assim a letra da lei da ética mais elementar, o que é muito grave para o equilíbrio social e para a subsistência de um estado justo.
As meias-trintas de alguns dos nossos políticos não permitem, no entanto, grandes avanços explícitos. Deixa de ser crime até às dez semanas, mas não se percebe por que continuará a sê-lo depois disso... Para manter as aparências? Por mais voltas que dêem à argumentação, a formação vital do ser humano inicia-se na sua concepção e não dez semanas depois dela. A identidade cromossómica começa nesse momento fundacional. O que é crime aos três meses é-o também aos dois meses ou antes disso. Só se entende assim esta opção cronológica se a virmos como uma forma de tapar o sol com a peneira. Quem, tendo liberdade de abortar até às dez semanas, o fará depois dessa barreira? Muito poucas. Ou apenas aquelas que não têm outro remédio.
O que mais custa nesta “necessidade” de mudança da Lei, levada a cabo por políticos só aparentemente progressistas, é que, apesar da sua “preocupação” com a liberdade de escolha das mulheres, nada ou pouco operam em benefício de quantas desejam ver nascer os seus filhos. Não existe uma verdadeira política de fomento da natalidade, como noutros países europeus. Fecham-se maternidades. Não se facilitam os processos de adopção de crianças entregues por mães ou famílias com fracos recursos. Não se criam condições logísticas ou materiais para as mães em dificuldades – deixando-se essa tarefa aos “hipócritas” que defendem a natureza criminal do acto abortivo. Não se publica legislação laboral de apoio à família e às mulheres grávidas. Apetece escrever: é mais fácil normalizar a morte de embriões em crescimento, promovendo o negócio das clínicas privadas, do que criar condições para que vivam, nasçam, cresçam e melhorem a sociedade.
Por tudo isto, e por muito mais, não posso concordar com a descriminalização do aborto praticado até às dez semanas. Nunca concordarei com práticas governativas que lancem o lixo para debaixo do tapete e não mexam uma palha para resolverem os problemas existentes. As mulheres que praticam o aborto precisam do nosso perdão, mas nunca poderão ser desculpabilizadas. Um ser sem culpa, sem responsabilidade pelos seus actos, é um ser menor, deficiente – logo sem direitos.
ASSISTÊNCIA À FAMÍLIA
Regressei à escola, depois de um período de quinze dias em que estive a prestar assistência a um familiar acamado. Fui obrigado a regressar, embora o familiar ainda se mantenha acamado e tenha ficado em casa sem a assistência que eu lhe podia prestar.
São assim as leis do nosso país. Um cidadão, se for funcionário público, só pode assistir um familiar com mais de 10 anos durante 15 dias por ano... Passado esse tempo, só existem três hipóteses: mentir e arranjar uma falsa declaração de doença do próprio; passar à situação de licença sem vencimento; ou deixar o familiar sem assistência. Não há escapatória!
Ainda dizem que vivemos num Estado de Direito...
Regressei à escola, depois de um período de quinze dias em que estive a prestar assistência a um familiar acamado. Fui obrigado a regressar, embora o familiar ainda se mantenha acamado e tenha ficado em casa sem a assistência que eu lhe podia prestar.
São assim as leis do nosso país. Um cidadão, se for funcionário público, só pode assistir um familiar com mais de 10 anos durante 15 dias por ano... Passado esse tempo, só existem três hipóteses: mentir e arranjar uma falsa declaração de doença do próprio; passar à situação de licença sem vencimento; ou deixar o familiar sem assistência. Não há escapatória!
Ainda dizem que vivemos num Estado de Direito...
JOSÉ DO CARMO FRANCISCO
Natal Feliz com lágrimas
(II Parte)
Se a maldade das pessoas é infinita a maldade dos seres humanos ainda é maior. Sim. Porque isto de ser uma pessoa não é para todos. Não é para quem quer mas sim para quem pode. Soube que sugiram umas «parvoêras» a propósito do meu texto mais recente, "Natal Feliz com Lágrimas". Alguém falou em aposentação – coisa que não existe no universo dos bancários. E eu fui bancário entre 1966 e 1996. Ponto final. Não sou mais nem serei. Fui e sou jornalista desde 1978 mas só em 1997 (por razões óbvias) tive acesso à carteira profissional. Até ao ano de 1997 era apenas colaborador mas hoje sou jornalista e só isso. Por isso não admito que ponham em causa o que eu escrevi. Fui de facto despedido em 2 de Novembro passado do Jornal Sporting tal como já tinha sido despedido da Revista Ler e do jornal A Bola e da Revista PC WIN além da revista DNA do Diário de Notícias. Agora não se pode transformar isto num assunto pessoal: eu fui despedido não por mim mas integrado num grupo de seis jornalistas José Goulão, Rita Taborda, Fernando Correia, Artur Agostinho, Hub Teixeira e eu. Nada de confusões. Eu, como estava a falar do meu Natal, falei do meu despedimento mas tudo isto está integrado numa «limpeza étnica». O resto é conversa da treta e a única conversa de treta que me interessa é a do Zé Pedro Gomes e do António Feio. Percebeste ó Zézé? Tá entendido ó Toni? Ouve lá! Olha lá!
Natal Feliz com lágrimas
(II Parte)
Se a maldade das pessoas é infinita a maldade dos seres humanos ainda é maior. Sim. Porque isto de ser uma pessoa não é para todos. Não é para quem quer mas sim para quem pode. Soube que sugiram umas «parvoêras» a propósito do meu texto mais recente, "Natal Feliz com Lágrimas". Alguém falou em aposentação – coisa que não existe no universo dos bancários. E eu fui bancário entre 1966 e 1996. Ponto final. Não sou mais nem serei. Fui e sou jornalista desde 1978 mas só em 1997 (por razões óbvias) tive acesso à carteira profissional. Até ao ano de 1997 era apenas colaborador mas hoje sou jornalista e só isso. Por isso não admito que ponham em causa o que eu escrevi. Fui de facto despedido em 2 de Novembro passado do Jornal Sporting tal como já tinha sido despedido da Revista Ler e do jornal A Bola e da Revista PC WIN além da revista DNA do Diário de Notícias. Agora não se pode transformar isto num assunto pessoal: eu fui despedido não por mim mas integrado num grupo de seis jornalistas José Goulão, Rita Taborda, Fernando Correia, Artur Agostinho, Hub Teixeira e eu. Nada de confusões. Eu, como estava a falar do meu Natal, falei do meu despedimento mas tudo isto está integrado numa «limpeza étnica». O resto é conversa da treta e a única conversa de treta que me interessa é a do Zé Pedro Gomes e do António Feio. Percebeste ó Zézé? Tá entendido ó Toni? Ouve lá! Olha lá!
GRANDES PORTUGUESES
D. Afonso Henriques, Álvaro Cunhal, Salazar, Sousa Mendes, Pessoa, Gama, Camões, D. João II, Pombal e o infante D. Henrique foram os escolhidos, num concurso televisivo, como "os maiores portugueses de sempre"... A "votação" vale o que vale... Há grandezas que o voto não consegue avaliar, sobretudo quando se trata de aquilatar a grandeza com base em conceitos tão distintos quanto os da importância, da imortalidade, da notoriedade e da celebridade. Embora haja pessoas que misturam tudo numa salada russa intragável, são realidades muito diferentes.
As escolhas, nascidas do "sufrágio" de um número indeterminado de portugueses (não se contabilizaram abstenções), definem no entanto a mentalidade de quem votou.
Se considerarmos os cem nomes mais escolhidos e a hierarquização a que foram submetidos - podemos analisar o estado mental dos nossos compatriotas. É revelador (e preocupante) que um povo junte no mesmo saco personalidades tão distintas quanto as do padre António Vieira e as de Herman José ou Jorge Nuno Pinto da Costa; ou seja, que uma nação (ou parte dela) ponha ao mesmo nível a eminência cívica, espiritual e cultural e alguns dos símbolos da face mais rasca da sociedade portuguesa.
D. Afonso Henriques, Álvaro Cunhal, Salazar, Sousa Mendes, Pessoa, Gama, Camões, D. João II, Pombal e o infante D. Henrique foram os escolhidos, num concurso televisivo, como "os maiores portugueses de sempre"... A "votação" vale o que vale... Há grandezas que o voto não consegue avaliar, sobretudo quando se trata de aquilatar a grandeza com base em conceitos tão distintos quanto os da importância, da imortalidade, da notoriedade e da celebridade. Embora haja pessoas que misturam tudo numa salada russa intragável, são realidades muito diferentes.
As escolhas, nascidas do "sufrágio" de um número indeterminado de portugueses (não se contabilizaram abstenções), definem no entanto a mentalidade de quem votou.
Se considerarmos os cem nomes mais escolhidos e a hierarquização a que foram submetidos - podemos analisar o estado mental dos nossos compatriotas. É revelador (e preocupante) que um povo junte no mesmo saco personalidades tão distintas quanto as do padre António Vieira e as de Herman José ou Jorge Nuno Pinto da Costa; ou seja, que uma nação (ou parte dela) ponha ao mesmo nível a eminência cívica, espiritual e cultural e alguns dos símbolos da face mais rasca da sociedade portuguesa.
CEMITÉRIO DE PIANOS
Tenho estado a ler o novo romance de José Luís Peixoto, Cemitério de Pianos. Tem parágrafos que são autênticos poemas... Toda a fluência narrativa é, aliás, fruto de uma escavação interior e prossegue numa "investigação" contínua do movimento pendular do Homem entre a vida e a morte, da sua dinâmica - e de actos anímicos entremeados de memória.
Chego à conclusão segura de que os pilares deste edifício romanesco são feitos de tensões emocionais (por vezes extremas) que sustentam tudo. E é da tensão das cordas do piano que nasce a música, dramática - por vezes fúnebre - ou produtora de júbilos que inundam a alma do leitor e a salvam por momentos.
MIGUEL REIS CUNHA
“Embora ocorra de forma muito subtil e despercebida, estamos perante uma nova forma de combate e desincentivo à natalidade.
O recurso aos contraceptivos começa por evitar a concepção de um novo ser indesejado (até aí tudo bem). Mas se a mulher não se tiver precavido antes e, por isso, existir a possibilidade de ter havido concepção, então aí entra a chamada ‘pílula do dia seguinte’. Mas se a mulher não tiver tomado a pílula do dia seguinte, então aí entra a possibilidade de aborto até às 10 semanas. Mas se isso não for possível e se a mãe tiver o azar de viver em certas zonas do país, então aí entra a dificuldade em nascer numa maternidade que esteja próxima. Mas se o bebé (qual herói homérico), depois desta epopeia toda, conseguir nascer, a sua mãe, se tiver um trabalho precário, sempre pode ainda vir a perder o emprego. Mas se a mãe do bebé não tiver perdido o emprego, terá ainda que fazer uma noitada à porta das misericórdias ou dos infantários, a mendigar uma vaga para o filho.
O Estado não protege, nem incentiva a natalidade. Enquanto isso, o sistema de Segurança Social vai-se afundando cada vez mais, porque cada vez vão existir menos jovens a descontar para um maior número de idosos a viver. O dilema é sempre o mesmo. Ou o Estado e a sociedade civil se empenham em criar condições para que se possa nascer, viver e morrer em condições. Ou, nem sequer se tenta, dando-se logo a batalha por perdida, optando-se pela via mais fácil da simples eliminação física. [...]”
(in Sol, nº 9, 11 de Novembro / 2006)
“Embora ocorra de forma muito subtil e despercebida, estamos perante uma nova forma de combate e desincentivo à natalidade.
O recurso aos contraceptivos começa por evitar a concepção de um novo ser indesejado (até aí tudo bem). Mas se a mulher não se tiver precavido antes e, por isso, existir a possibilidade de ter havido concepção, então aí entra a chamada ‘pílula do dia seguinte’. Mas se a mulher não tiver tomado a pílula do dia seguinte, então aí entra a possibilidade de aborto até às 10 semanas. Mas se isso não for possível e se a mãe tiver o azar de viver em certas zonas do país, então aí entra a dificuldade em nascer numa maternidade que esteja próxima. Mas se o bebé (qual herói homérico), depois desta epopeia toda, conseguir nascer, a sua mãe, se tiver um trabalho precário, sempre pode ainda vir a perder o emprego. Mas se a mãe do bebé não tiver perdido o emprego, terá ainda que fazer uma noitada à porta das misericórdias ou dos infantários, a mendigar uma vaga para o filho.
O Estado não protege, nem incentiva a natalidade. Enquanto isso, o sistema de Segurança Social vai-se afundando cada vez mais, porque cada vez vão existir menos jovens a descontar para um maior número de idosos a viver. O dilema é sempre o mesmo. Ou o Estado e a sociedade civil se empenham em criar condições para que se possa nascer, viver e morrer em condições. Ou, nem sequer se tenta, dando-se logo a batalha por perdida, optando-se pela via mais fácil da simples eliminação física. [...]”
(in Sol, nº 9, 11 de Novembro / 2006)
JOSÉ DO CARMO FRANCISCO
Sobre um tema
de Vitorino Nemésio
Viver nas ilhas pequenas
É comprar paz com desconto
(Vitorino Nemésio)
Viver nas ilhas pequenas
É ter mais tempo nos dias
Entre manhãs tão serenas
E as noites longas e frias
O dia tem horas cheias
Passam os vários vapores
E na sombra das baleias
Há vozes de trancadores
O vinho das cepas velhas
Desce com a neve do Pico
Desde a porta até às telhas
É nesta adega que eu fico
No sossego das lagoas
Na distância das fajãs
Perdi a voz das pessoas
Na gramática das manhãs
Viver nas ilhas pequenas
É comprar paz com desconto
Ter numa factura apenas
A vida ponto por ponto
Sobre um tema
de Vitorino Nemésio
Viver nas ilhas pequenas
É comprar paz com desconto
(Vitorino Nemésio)
Viver nas ilhas pequenas
É ter mais tempo nos dias
Entre manhãs tão serenas
E as noites longas e frias
O dia tem horas cheias
Passam os vários vapores
E na sombra das baleias
Há vozes de trancadores
O vinho das cepas velhas
Desce com a neve do Pico
Desde a porta até às telhas
É nesta adega que eu fico
No sossego das lagoas
Na distância das fajãs
Perdi a voz das pessoas
Na gramática das manhãs
Viver nas ilhas pequenas
É comprar paz com desconto
Ter numa factura apenas
A vida ponto por ponto
AMADEO
Consegui ver (apesar das longas filas) a exposição antológica de Amadeo de Souza Cardoso na Gulbenkian. Pintura vital - atenta à infinitude do mundo que nos rodeia e à pureza das cores e das formas que dão presença e dinamizam seres e objectos, ambientes e paisagens -, preenche os olhos numa explosão primitiva de tons essenciais que atraem pelo brilho e pelo júbilo.
Virtuoso da cor e da representação do movimento, os melhores passos de Amadeo estão, contudo, no expressionismo de algumas figuras só aparentemente cubistas (aquela parte da sua obra em que a tristeza, a interioridade e a melancolia de rostos mascarados apresentam o drama da existência) e na metafísica de algumas paisagens e de alguns ambientes despovoados (que nos cruzam como quadros de De Chirico ou de um posterior Alvarez).
OS VENCIDOS DA JUSTIÇA
O Governo prepara-se para "castigar" os vencidos da Justiça. Sabendo-se, como se sabe, que os vencidos muitas vezes não são aqueles que litigavam de má-fé ou sem fundamento, mas quantos não têm dinheiro para pagar um bom advogado, não têm instrução ou verborreia para convencer os juízes ou não conseguem suportar os custos dos recursos bem urdidos - esta medida será mais uma machadada no débil Estado de Direito português, caucionando a prepotência dos poderosos, promovendo as manobras dos caciques de vária índole.
Questiono-me com Bernanos: "Porque lhe chamam 'Justiça'? Deveriam antes, sem hipocrisia, chamar-lhe 'Injustiça'..."
O Governo prepara-se para "castigar" os vencidos da Justiça. Sabendo-se, como se sabe, que os vencidos muitas vezes não são aqueles que litigavam de má-fé ou sem fundamento, mas quantos não têm dinheiro para pagar um bom advogado, não têm instrução ou verborreia para convencer os juízes ou não conseguem suportar os custos dos recursos bem urdidos - esta medida será mais uma machadada no débil Estado de Direito português, caucionando a prepotência dos poderosos, promovendo as manobras dos caciques de vária índole.
Questiono-me com Bernanos: "Porque lhe chamam 'Justiça'? Deveriam antes, sem hipocrisia, chamar-lhe 'Injustiça'..."
EDUCAR PARA A BELEZA
Parece-me válida a proposta de D. José Policarpo para o novo ano. Educar para a beleza, para o seu reconhecimento e contemplação é, de facto, um bom caminho para a construção da Paz. Reconhecer quanto têm de belo e de digno o mundo que habitamos, aqueles que o habitam e as suas produções de beleza inspirada será sempre amá-los e destruir a indiferença, primeiro passo em direcção ao ódio e à violência aniquiladora de corpos e de almas, da sua expressão transcendente e do sublime que existe no universo que nos rodeia.
Parece-me válida a proposta de D. José Policarpo para o novo ano. Educar para a beleza, para o seu reconhecimento e contemplação é, de facto, um bom caminho para a construção da Paz. Reconhecer quanto têm de belo e de digno o mundo que habitamos, aqueles que o habitam e as suas produções de beleza inspirada será sempre amá-los e destruir a indiferença, primeiro passo em direcção ao ódio e à violência aniquiladora de corpos e de almas, da sua expressão transcendente e do sublime que existe no universo que nos rodeia.
Subscrever:
Mensagens (Atom)