RAZÕES DE UMA OPÇÃO

Acredito na bondade das intenções de grande parte dos defensores do “sim” no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro. Há, no entanto, aspectos que devem ser ponderados quando se trata de avaliar a opção pelo “sim”. Só de forma consciente se pode optar, julgando não as aparências de bondade, mas as reais intenções de quantos, politicamente, desejam a alteração da lei vigente.
Há perguntas a que tentei responder logo que tomei conhecimento da pergunta a referendar. Era preciso perceber certas opções da proposta de questão, para evitar o risco de manipulação. Saber por que razão aí se usa o substantivo “despenalização”, que motivos levam à adopção da expressão “interrupção voluntária da gravidez” ou que posições fizeram estabelecer a fronteira das “dez semanas” de gestação.
Comecei pela expressão “interrupção voluntária da gravidez”. Se todos parecem concordar que o aborto é um mal, uma prática maligna em termos médicos e éticos, porquê camuflá-lo sob vestes angelicais? Vivemos numa sociedade com estômago fraco... Afasta o realismo das palavras duras pela ligeireza bem-comportada e politicamente correcta dos eufemismos. Este travestismo verbal é apenas um dos sintomas da hipocrisia social em que estamos mergulhados, um dos muitos agentes de corrosão da verticalidade e da justiça que tornam suportável viver neste mundo. Cada vez que alguém utiliza meias-palavras para falar de realidades violentas está a menorizar o seu ouvinte, infantilizando-o, enganando-o, manipulando-o. É esta a prática política que de há uns tempos se instalou no nosso país e noutros que o circundam. Uma prática que visa a estupidificação e a alienação dos cidadãos. Chamar “interrupção voluntária da gravidez” ao aborto é branqueá-lo, torná-lo venial ou acto sem gravidade ética – quando aparentemente se afirma o contrário.
A hipocrisia alarga-se ao termo “despenalização”. Se acreditassem verdadeiramente no termo que utilizam, os proponentes deste referendo deveriam ser consequentes e “despenalizar” (ou seja, eliminar as penas inscritas na Lei) toda e qualquer prática de aborto levada a efeito por uma mulher, conservando no entanto a criminalização, na medida em que uma lei positiva e eticamente consequente considera como crime qualquer prática lesiva dos indivíduos ou da sociedade em geral. A solução adoptada pela pergunta do referendo consiste no entanto numa camuflagem. Qual camaleão, menciona “despenalização” quando na realidade qualquer jurista mediano pode provar que a consequência será a descriminalização do aborto até às dez semanas de gravidez. O aborto, sendo mau – como todos afirmam, com verdade ou com hipocrisia –, deixará de ser um crime, desde que praticado até esse período. Afasta-se assim a letra da lei da ética mais elementar, o que é muito grave para o equilíbrio social e para a subsistência de um estado justo.
As meias-trintas de alguns dos nossos políticos não permitem, no entanto, grandes avanços explícitos. Deixa de ser crime até às dez semanas, mas não se percebe por que continuará a sê-lo depois disso... Para manter as aparências? Por mais voltas que dêem à argumentação, a formação vital do ser humano inicia-se na sua concepção e não dez semanas depois dela. A identidade cromossómica começa nesse momento fundacional. O que é crime aos três meses é-o também aos dois meses ou antes disso. Só se entende assim esta opção cronológica se a virmos como uma forma de tapar o sol com a peneira. Quem, tendo liberdade de abortar até às dez semanas, o fará depois dessa barreira? Muito poucas. Ou apenas aquelas que não têm outro remédio.
O que mais custa nesta “necessidade” de mudança da Lei, levada a cabo por políticos só aparentemente progressistas, é que, apesar da sua “preocupação” com a liberdade de escolha das mulheres, nada ou pouco operam em benefício de quantas desejam ver nascer os seus filhos. Não existe uma verdadeira política de fomento da natalidade, como noutros países europeus. Fecham-se maternidades. Não se facilitam os processos de adopção de crianças entregues por mães ou famílias com fracos recursos. Não se criam condições logísticas ou materiais para as mães em dificuldades – deixando-se essa tarefa aos “hipócritas” que defendem a natureza criminal do acto abortivo. Não se publica legislação laboral de apoio à família e às mulheres grávidas. Apetece escrever: é mais fácil normalizar a morte de embriões em crescimento, promovendo o negócio das clínicas privadas, do que criar condições para que vivam, nasçam, cresçam e melhorem a sociedade.
Por tudo isto, e por muito mais, não posso concordar com a descriminalização do aborto praticado até às dez semanas. Nunca concordarei com práticas governativas que lancem o lixo para debaixo do tapete e não mexam uma palha para resolverem os problemas existentes. As mulheres que praticam o aborto precisam do nosso perdão, mas nunca poderão ser desculpabilizadas. Um ser sem culpa, sem responsabilidade pelos seus actos, é um ser menor, deficiente – logo sem direitos.

15 comentários:

Anónimo disse...

Concordo em absoluto e acrescento um reparo: hoje em dia eu posso obrigar um homem a ser pai do meu filhos através de um teste de paternidade, mas, se o sim vencer, também o posso obrigar a não ser independentemente da sua vontade.

Anónimo disse...

Também eu apoio o não. Longe de mim apoiar as razões de certa gente direitista que procura o obscurantismo, assim como nunca apoiaria politicamente correcto do lado contrário. É sim o meu amor de mulher que foi e é mãe, pelas vidas que merecem respeito.
Peço desculpa se alguém se sentir contrariado, esta é a razão que penso e creio que faria mal se calasse.

Anónimo disse...

Parabéns ao Dr. Ruy Ventura pela frontalidade e verticalidade deste texto, na sequência, aliás, do nível de comentários a que nos habituou. Subscrevo as suas palavras e agradeço aos meus Pais não terem provocado o aborto quando eu era nascituro. Hoje não poderia, evidentemente, estar aqui a escrever estas linhas.Ribeirinho Leal

Anónimo disse...

Sou a favor do NÃO, porque o que alguns partidos que bem se conhecem e são do SIM querem é criar instabilidade nas famílias. Também critico as senhoras e senhores que são do não e vão fazer abortos a Espanha. O dinheiro tudo justifica?

Anónimo disse...

O reaccionarismo desta gente é manifesto. Pois eu vou votar sim, para se acabar com a arrogancia dos beatos.

Anónimo disse...

Sou católica não praticante e não pratico porque tenho visto em certos que batem com a mão no peito a maior ruindade de hipocrisia e velhacos que são. Defendem a vida eles dizem, mas não me parece, pois só parecem interessar pelos óvulos e nada pelos que vivem e por isso sofrem.
Eu vou votar sim e sou uma mulher consciente, ofendem os que pensam como eu penso em nome da religião e porquê?

Anónimo disse...

Quero esclarecer que o que está aqui em discussão não é uma questão nem de política nem de religião,mas sim um ser ou não ser pela vida.
Conforme dapequena semente nasce a grande planta ou a gigantesca árvore, também da junção do espermatozóide com o óvulo nasce, no momento da concepção uma nova vida que não é pertença do pai nem da mãe, mas sim dela própria. Quanto ao argumento de que a mulher é dona do seu próprio corpo, isso não deixará de ser verdade; assim, se arrancar um olho, uma orelha, ou uma perna está a agir contra a natureza, mas aqui é, realmente, uma parte do seu corpo que está a sacrificar. Porém ao praticar o aborto, a mulher e os seus coniventes não estão a dispor do seu próprio organismo, mas sim a matar um poutro, cujo local de desenvolvimento é precisamente o seio materno. Tudo o mais são são falsos argumentos. Ribeirinho Leal

Anónimo disse...

Eu acho que o problema está numa razão social. Com ou sem referendos a realidade há-de-se impor, seja sim ou seja não. Eu, embora, sou a favor do não.
Agora quanto à ruindade que a senhora Nilde fala, eu acho verdade, pelo menos em Portalegre e em Évora, que conheci bem estudei lá. Agora está pior desde, que o bispo novo manda. Parece-me ser um reaccionário e tem dado hipótese a malandros, será que não sabe o que há? É pena, a cidade está muito pior e falo em termos religião, também eu já não vou à igreja e mesmo assim o faço na Covilhã, sou cristão e continuo como crente mas os padres cada vez me desagradam mais e digo, devemos amor a Cristo ou à padralhada mentirosa? Que há também bons.

Anónimo disse...

O que está aqui em causa é uma questão de consciência, senhor Ribeirinho.

As pessoas votam SIM ou NÃO, consoante a sua forma de encararem a vida.

O resto é conversa de treta e hipocrisias.

Se alguns homens corressem o risco de ficar "prenhos", eram mais comedidos nas palavras.

Ruy Ventura disse...

Não, senhora Clotilde, o que está em causa é um ser vivo cujo futuro é cortado no momento em que a sua mãe aborta. Para resolvermos o problema do aborto, é preciso analisarmos as suas causas. Um Estado que não mexe uma palha para resolvê-las, mas adopta a estratégia mais fácil - propor a ilegalização do ilegal - será sempre hipócrita. Funciona um pouco como Bush que, há pouco tempo, afirmava que a melhor maneira de acabar com os incêndios florestais era derrubar boa parte das árvores...

Anónimo disse...

Eu sou de apostar que a "senhora clotilde" vai-se a ver é um cromo que aqui aparece muito a dar apoio da treta, fala sempre em treta, a outro cromo comuna, em geral aqui se apresenta. E como de certeza é malcriadão, não debate, ofende os outros dizendo sempre é hipocrisia mas o hipócrita deve de ser ele.
Grande democrata do sim!!

Anónimo disse...

As pessoas que aqui comentam são muito estranhas.

Nunca pensei que a palavra "treta" (tão normal, desde que a dupla António Feio e Zé Pedro Gomes se formou), despertasse tantas conjecturas de "cromos" e "comunas".

É no minimo lamentável.

Esse senhor que quer ser Mafra, devia olhar-se ao espelho e ver quem é que é ofensivo nos comentários.

Pobre coitado, também não gosta da palavra hipócrita.

Vai é comer um grande cagalhão, meu jabardo!

Ruy Ventura disse...

Como deve ter sido percebido, queria escrever "legalização do ilegal"...

Ruy Ventura disse...

Quando à linguagem escatológica (maneira delicada de lhe chamar "malcriada" ou "porca"...) fica com quem a escreve. Não ofende ninguém. Só mancha a imagem do seu autor que, mesmo anónimo, não deixará de transportar na face os dejectos que tenta lançar aos outros.

Anónimo disse...

O comentário da pessoa que se diz clotilde é a demonstração clara do que sucederia se os apoiantes do sim vencessem, num referendo ou numa subida ao poder.
Julga a clotilde que estamos no PREC?
Mais que não fôsse, só por este arrôto abortivo, vou votar NÃO.