José do Carmo Francisco
(in Gazeta das Caldas)
«As Filarmónicas perdidas
e as lágrimas doiradas pelo Sol»
«Hoje vamos tocar a DINA!» – foram estas as primeiras palavras do meu primo Luís Almeida com a trompete debaixo do braço à porta da igreja paroquial de Santa Catarina no passado dia 25 de Novembro. Eu tinha chegado há minutos mas como parei logo no café do Garcia para uma bica escaldada e dois dedos de conversa com ele e com o Hélder Funcheira, não me tinha ainda apercebido que era o dia da festa de Santa Catarina.
Pouco tempo depois já estava integrado na procissão ao lado de dois amigos de longa data (Manuel e Joaquim Clímaco) e atrás do meu filho e do meu pai. Com os primeiros acordes da marcha solene pelos músicos da Filarmónica Catarinense e com o repicar dos sinos (já não está lá o Zé Pombo…) tomou conta de mim uma emoção muito especial. As bandeiras e os estandartes, a imagem de Santa Catarina levada num andor por quatro rapazes novos, todo o ambiente da procissão com as colchas nas varandas e verdura no chão, tudo me fazia recuar ao tempo da Estrada de Macadame. A procissão continuou, lenta e solene, e as minhas emoções iam subindo de tom. Depois da volta no fim da Índia e da passagem na fábrica de cutelarias IVO, aconteceu uma cena emotiva: ver a figura debilitada do António «Cuco», amparado a duas bengalas e com uma luva para aquecer a mão fria. Lembrei-me logo dos músicos dos velhos tempo como o seu pai José «Cuco» e o seu irmão Abílio. Mas também o Joaquim Carvalho e os filhos José, António e Edmundo. E o grupo dos Freires: o meu tio Joaquim, o Vítor, o Juventino e o António Freire. Sem esquecer outro grupo: o João «Calão», o Artur «Balaú», o Zé Coimbra, o António Branco, o Américo Paulo, o António «Larila», o João «Areia», o «Ernestinho», o Abílio «Milhafre», o David Funcheira sempre disponível para a trompa e o meu querido primo «Palheirão» com o seu contrabaixo. E claro, também o meu avô José Almeida Penas e os meus tios Álvaro e Armindo, por último mas não em último. E todos os outros que posso não recordar hoje mas não estão esquecidos na memória mais profunda.
A estranha emoção de ver o António «Cuco» impedido de ser actor e obrigado a ser apenas espectador de uma festa que ele ajudou tantas vezes a edificar, levou-me a chorar algumas lágrimas que o Sol, batendo de chapa, acabou por ajudar a doirar. Os acordes da marcha solene DINA também ajudaram ao aparecimento das lágrimas. Lembrei-me nessa altura do título de um livro de poemas dum escritor dos Açores, Mário Machado Fraião. O livro chama-se Todas as Filarmónica perdidas e um poema por dizer. Lembrei-me também que quando vivi no Montijo não me separei das Filarmónicas. Havia lá duas em 1957: a «Democrática 2 de Janeiro» e a «Imparcial 1º de Dezembro». Tal como em Santa Catarina, eu no Montijo ia sempre atrás da música. Em Vila Franca de Xira havia a Banda do Ateneu Artístico Vila-franquense. Acompanhei de perto a sua música desde 1961 a 1966 e lá voltei em 1969 para acompanhar o funeral do escritor Alves Redol. Fazia muito frio, era Novembro e a marcha fúnebre deixou-me muito comovido. Tal como a marcha DINA no passado dia 25 de Novembro em Santa Catarina, durante a procissão da festa da nossa padroeira. Não há dúvida: a nossa vida é feita de Filarmónicas perdidas, de emoções fortes e de lágrimas doiradas pelo Sol. Se não fosse assim também não valia a pena. Não era vida; era apenas subsistência. E isso não interessa a ninguém que quer ser (mesmo!) uma pessoa. Ver os miúdos e as miúdas novas no lugar dos velhos filarmónicos do meu tempo, transmite uma ideia forte: a única resposta à morte e às suas emboscadas é a vida.
1 comentário:
aOlá, José do Carmo:
Na minha terra, à banda ou filarmónica chamávamos a Música e por isso dizíamos a Música de Custóias, a Música de Numão, a Música de Soutelo, previlegiadas terras que tinham a sua música, contrariamente à minha, pobre de mais para lhe suportar os encargos.
Há que tempos não lhe ouço o som tanto mais comovente quanto mais desafinado, apesar do brio de todos os músicos, e por isso agradeço as palavras do poeta para voltar à infância. Agradeço ao poeta, mas agradeço ainda mais a cada um dos que ainda tocam esta marcha e outras mnarchas e que o poeta também evoca com ternura e gratidão
Obrigado
Joaquim
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