Vozes do Brasil

C. RONALD



Talvez nos deslumbre o crepúsculo, a ironia da imagem
débil em nosso começo quando vou a ti só com o murmúrio
da mente e chego a quatro paredes. Este é o privilégio
da noite, um abrir de conchas num mar quieto.
Reage o ser e o tempo nesse desesperado limite
em que a dor faz parte da matéria
sem gritos.
Há o tamanho do remoto que já vive
ao lado do que sonhamos depois de acabado o jogo
na claridade de outro infinito. Por que nunca gritam
os pássaros que nasceram com o poder do canto e as coisas
bem mais próximas deles? E os peixes mudos
entre as malhas da rede? Só destruímos como surdos.
O mundo pronto a ter com nossa vida o que é pequeno...

(in Gemônias, Universidade Federal de Santa Catarina,1982)


Um estádio repleto de torcedores tem mais
sonho que corpo: soma da matéria sem retorno.
Calculamos o centro dos desejos sempre em jogo
com aquilo que houve: rivalidade de homens.

O resto deposita-se na fonte. O mundo basta
para manter o acaso com a inocência das árvores.
Eis o álbum aberto sob as imagens de tantos
e o proveito de um erro nesse drible mal pensado

fora de todo o espaço nas horas sem realidade
quando surge o sentido da nossa nudez num quarto
e as árvores preparam-se para o próximo encontro
perdendo as folhas de antes pela verdade do tronco.

(idem)


Alguma necessidade impõe às rosas
a diferença de cores. Mas os pardais
que voam entre uma discussão
e outra, nem seriam pássaros,
não houvesse o voar constante
em tamanha proximidade com os homens.

Pouco me interesso por eles.
Maior é a certeza pelo que houve
dos sonhos. Mas por que vivem
se não cantam?

E que adianta a origem comum a todos
num destino insondável de poeta?
Já estivemos perto, a diferença
é só a entrada no infinito e basta
girar o mito numa esquina
de rua deserta.

(idem)

3 comentários:

Anónimo disse...

Fico muito contente por ver aqui, nesta secção de vozes do além-Atlântico, a voz de C.Ronald.
Tal como sucede com o Ruy, admiro muito este poeta, que tenho como um dos mais altos do Brasil contemporâneo.
"Gemônias", único livro que tenho dele por oferta excelente de RV (conforme julgo saber, tirante alguns poemas inseridos numa antologia de poesia brasileira nada mais está - para vergonha das estantes nacionais - publicado em Portugal) é um livro soberbo, com um toque miltoniano inteiramente pessoal e sem ponta de retórica.
Apesar de as coisas cá, no que à edição diz parte, muitas vezes funcionarem num registo muito peculiar e talvez só relativamente respeitável, deixo aqui a sugestão aos editores dotados de poesia por dentro e inteireza por fora(que devem ser quase todos ou mesmo todos, acho eu...): ponham C.Ronald nos escaparates nacionais!
A sensibilidade lusitana decerto agradeceria.

Ruy Ventura disse...

C. Ronald precisa realmente de ser divulgado neste nosso Portugal, mas, tanto quanto sei, também no Brasil, onde não deverá ser tão conhecido quanto deveria.
Quanto a Gemônias, infelizmente não está publicado em Portugal. É uma edição da Universidade Federal de Santa Catarina de que existe um exemplar na Biblioteca Nacional, que eu fotocopiei há uns anos.

indah disse...

Muy interesante. Me ha gustado mucho (no digo todo, porque algo siempre se me pierde :) No importa.

No había leído nada de C. Roald.
Muchas gracias, Ruy.