Proibido andar sobre a relva
(crónica de José do Carmo Francisco)
Fiquei chocado, surpreendido e mesmo revoltado quando ouvi na televisão a notícia da morte do escritor Ferro Rodrigues anunciada como sendo a de um «colaborador dos Parodiantes de Lisboa». Para mim não está em causa que o escritor Ferro Rodrigues, tal como por exemplo escritor Santos Fernando, fosse amigo dos Parodiantes de Lisboa e tivesse colaborado com os seus programas «Graça com todos» e «Parada da paródia». E nem me interessa se esta notícia foi feita por ignorância ou por má fé. Para mim Ferro Rodrigues é o autor de três livros: Noite sem estrelas, Lusitânia Expresso e Proibido andar sobre a relva. E nem está em causa se ele era o pai do outro Ferro Rodrigues que exerceu funções governativas e foi secretário-geral de um partido. Isso não está em causa. Para mim o problema está em que a notícia refere a sua ligação aos Parodiantes de Lisboa e circunscreve as suas actividades a essa colaboração. Isso é que está mal, isso é que é incorrecto pois quem elaborou a notícia não pode ser refém de preconceitos. E a mim parece-me que a notícia deveria ter sido assim: «Faleceu Ferro Rodrigues, autor dos livros Proibido andar sobre a relva, Lusitânia Expresso e Noite sem estrelas. Foi amigo do escritor Santos Fernando com quem manteve parcerias no teatro de revista do Parque Mayer e colaborou nos programas dos Parodiantes de Lisboa.» Para dar uma ideia vou transcrever duas linhas do livro Proibido andar sobre a relva. Numa casa de fados alguém dirige-se a uma fadista e pergunta: «Rapariga queres uma letra para um fado novo?» E responde: «É um fado humorístico. O gozo dum fidalgo sem vintém que se vendeu à filha dum lavrador alentejano a troco duns cornos de cortiça.» É humor, um humor povoado pela tristeza porque Ferro Rodrigues sabia que «o humor é uma lágrima entre parêntesis.»
2 comentários:
Há tempos um colega meu de Letras disse-me que quando o poeta Cesário Verde morreu um jornal noticiou que tinha morrido o filho do conceituado comerciante sr. Verde.
Acho que é o melhor elogio que se pode dar a bons autores.
Quando morrer o dramaturgo Freitas do Amaral, durante três dias as televisões vão dar carradas de noticiário.
As peças dele não melhorarão.
Obrigada pela evocação. Sem ela, não teria sabido quem foi Ferro Rodrigues.
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