Antologia “Fanal”

JOSÉ BLANC DE PORTUGAL

25. O sol acaba de brilhar e apagou-se
num instante apenas só pr’a mim.
E apagou-se no véu de água em gás
que cobre nuvens definidas
feitas de água nas três fases:
sólida, mais abaixo dominando, a líquida e a gasosa
(é de invocar a lei das Fases, de Gibbs, creio,
mas a químico-física não serve bem o papel).
Olha! Afinal voltou a brilhar!
Era de esperar mas não tão cedo.
Ai! Bom Sá de Miranda
“Oh cousas todas vãs, todas mutáveis...”
não sei, se é bem assim que ele escreve
- e continuava,
“Passa mais um dia, outro dia,
Incertas mais que ao vento as naves,
E tudo o mais renova, isto é sem cura”
Que diabo de memória em adulterar a citação.
Se quiser esmiuçar o poetar do humanista
exprimindo um vulgaríssimo desalento
concluo também que a ideia-imagem expressa
é de uma vulgaridade inultrapassável...
Pois sim! mas tem-me consolado
mais do que uma vez os maus bocados!

52. Ainda não me foi dado
cristalizar o que é já soluto
No universal solvente:
A água-mãe.
Não encontrando a palavra-coisa
cristal de oculta simetria
Vou escrevendo estrofes como esta
que poderia conter todo o que veramente
e, afinal, ocultamente, o contém.
Como a semente contém a flor.

(Poemas enviados ainda em vida do autor, mas publicados já postumamente no nº 1, 19/05/2000)

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