CRISTINA CAMPO

Tenho lido, nos últimos tempos, um livro de que não sairei ileso. Sei bem que ninguém sai ileso da leitura de um bom livro, mas entre eles alguns deixam marcas maiores, cicatrizes positivas que modificam a nossa alma e o nosso corpo.
Dirigida pelo padre e poeta José Tolentino Mendonça, a editora Assírio & Alvim iniciou a publicação de uma nova colecção, “Teofanias”. Aí foi editada a obra de que vos escrevo – Os Imperdoáveis -, assinada por Cristina Campo, pseudónimo da poeta (para mim “poeta” não tem género) italiana Vittoria Guerrini (1923-1977). É um conjunto de ensaios, que aborda temas tão diversos quanto os contos de fadas, a linguagem poética, a relação entre a atenção e a poesia, as obras de William Carlos Williams, John Donne, Tchekov e Jorge Luis Borges, os “ditos e feitos” dos Padres do Deserto ou os “Sentidos Sobrenaturais”. Como refere o autor do prefácio e coordenador da colecção, este livro prova-nos que “a experiência poética e a religiosa se inscrevem no território comum da linguagem, e que tanto numa como noutra se busca aquilo que Campo chamava ‘o sabor máximo de cada palavra’.”
Desejando a adesão de que me lê, deixo aqui alguns parágrafos que já registei na memória.

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“Quem tiver a ventura de ter nascido no campo (ou pelo menos num jardim suficientemente vasto para não conhecer muito bem os seus limites) obterá para toda a vida a sensação de possuir uma linguagem arcana mas apesar disso precisa, de um desenvolvimento musical de frases que, enquanto preenche os sentidos de superabundante júbilo, anuncia à mente um último desígnio, em cada vez de novo prometido e diferido.” (p. 27)

“Infinitamente mais delicada e tremenda é a presença do imenso no pequeno e não a dilação do pequeno do imenso [...].” (p. 51)

“[...] nenhuma coisa que não se possa ler de muitos modos poderá fascinar por mais de um tempo bastante breve [...].” (p. 70)

“Se uma vez por outra escrevo é porque certas coisas não se querem separar de mim tal como eu não quero separar-me delas. No acto de escrevê-las elas penetram em mim para sempre – através da caneta e da mão – como por osmose.” (p.149)

“Na alegria, nós movemo-nos num elemento que está todo ele fora do tempo e do real, com presença perfeitamente real.
Incandescentes, atravessamos as paredes.” (p. 149)

“Pedir a um homem que nunca se distraia, que subtraia sem descanso ao equívoco da imaginação, à preguiça do hábito, à hipnose do costume, a sua faculdade de atenção, é pedir-lhe que actue na sua máxima forma.
É pedir-lhe uma coisa muito próxima da santidade numa época que parece procurar apenas, com cega fúria e arrepiante sucesso, o divórcio total da mente humana em relação à sua faculdade de atenção.” (p. 178)

1 comentário:

dama disse...

Conheço os poemas. Tenho de ler os ensaios. Boa Páscoa.