JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

O homem que não lia livros

Moro no Bairro Alto desde 1976 mas vivo em Lisboa desde 1966. E comecei por viver em Campolide uns meses e em Santa Catarina vários anos. Quer isto dizer que são já 40 anos de convívio permanente com alfarrabistas, leilões de arte, antiquários, livrarias, bibliotecas e etc. Outro dia fui ver a exposição de mais um grande leilão no Palácio do Correio Velho, ali na Calçada do Combro. Claro que não tenho dinheiro para mandar cantar um cego mas vou lá pelo prazer de ver. Neste caso descobri um quadro de Sousa Pinto, um notável pintor paisagista que nasceu em Angra do Heroísmo no ano de 1856 e faleceu na região da Bretanha francesa em 1939. Trata-se de Acendendo o cachimbo pela madrugada um quadro muito famoso que vale pelo menos 30 mil euros. Vejo a seu lado quadros de Silva Porto, Dominguez Alvarez, Jaime Murteira, Isaías Newton e muitos outros. Não posso comprar mas venho feliz com o que vi.
De repente suspendo a marcha porque descubro um jornalista dito cultural numa minúscula galeria de arte a falar para uma pequena plateia. Páro e fico a pensar. É este o homem que no seu jornal viu os meus livros um a um e sistematicamente dizia «este não interessa nem ao Menino Jesus». Bastava-lhe olhar o nome do autor e o título. Este pobre e pequeno homem não percebe que a história da literatura não passa por ele. No tempo de Cesário Verde quem era conhecido era Cláudio Nunes, no tempo de Eça de Queirós quem era popular era Pinheiro Chagas e no tempo de Camilo Pessanha o poeta era Augusto Gil. Olho para o homenzinho sem nenhum rancor. Ele está, como sempre esteve, a falar para o boneco. Eu, pelo contrário estou vivo e tenho pessoas que tomam a sério o que eu escrevo. O resto é conversa.

(Na imagem: "Acendendo o cachimbo pela madrugada", óleo de Sousa Pinto)

2 comentários:

Paulo Cunha Porto disse...

É que, Caro Ruy, há dois tipos de críticos. Uns, os que acrescentam, cujo trabalho faz também parte da literatura. E os "noticiaristas culturais" que, sabendo-se sem influência, tentam acompanhar o que lhes parece ser o gosto do Público, em vez de tentarem orientá-lo para descobertas.
Sempre assim foi, sempre assim será.
Abraço.

Ruy Ventura disse...

O problema é que há muitos noticiaristas (frequentemente maus) que são apresentados como "ensaístas" e se apresentam como aferidores do gosto literário, excluído autores com obra forte só porque não os entendem ou porque não lêem pela sua cartilha ou, ainda, porque não pertencem à capelinha.