ARTE SACRA
DA DIOCESE DE BEJA
(novo livro de José António Falcão)

De absoluto a zodíaco se apresenta a arte sacra da diocese de Beja no novo livro de José António Falcão: uma obra inclassificável, absolutamente original no panorama editorial português. Aparecendo com roupagens de dicionário (A a Z, Arte Sacra da Diocese de Beja, numa edição do Departamento do Património Histórico-Artístico desse bispado do Baixo Alentejo), pode ser entendido como um glossário técnico, uma antologia poética, um livro de arte e um volume de crónicas.
José António Falcão vem encabeçando há vários anos uma iniciativa exemplar a vários títulos. Ao contrário do que acontece em várias dioceses portuguesas, em que o património artístico e arquitectónico está à mercê de voluntarismos desastrados e desastrosos que têm levado à perda de peças importantíssimas da arte nacional e internacional, em Beja o voluntariado de leigos empenhados e esclarecidos tem levado ao inventário rigoroso de peças e edifícios, à conservação e ao restauro criteriosos entregues a técnicos competentes, à divulgação do património material de uma região possuidora de religação larga e intensa. Falcão descreve a situação que encontrou quando o Departamento (criado em 1984 por D. Manuel Falcão) iniciou funções (a narração corresponde ao que acontece ainda hoje em muitas outras dioceses):
Diversos monumentos religiosos jaziam ao abandono [...] enquanto outros eram alvo de intervenções pouco criteriosas que afectavam a integridade material e cultural tanto da arquitectura como dos bens móveis nela integrados. [...] [...] várias imagens seculares eram confiadas a ‘curiosos’ que as pseudo-restauravam com purpurinas e tintas plásticas ou partiam para reparações em oficinas de santeiros do Norte, voltando desfiguradas ou substituídas por réplicas. [...]
Voltando ao livro, nele encontramos múltiplas entradas. Aceitação, barro, caminho, desespero, entrega, face, guia espiritual, herança, iluminação, justiça, libertação, maternidade, natureza, olhar, pão, quadrilátero, reconquista, saúde, testemunho, universo, vigilância, xeque-mate e zero são apenas alguns dos termos abordados nesta obra de arte onde, para além dos textos do autor, surgem também poemas de Kóstas Varnalis, frei Agostinho da Cruz, W. B. Yeats, Tonino Guerra, Saint-Pol-Roux, Paul Verlaine, etc..
As intervenções de José António Falcão, por seu lado, assumem com frequência um carácter literário, como neste texto comovente, intitulado “Cheio/Vazio”:
Salvo erro, foi em 1992 que vislumbrei, pela primeira vez, a velha escultura de São Jorge, esquecida num recanto da arrumação do convento de Nossa Senhora do Carmo onde jazem centenas de fragmentos de talha dourada, à espera do dia da ressurreição. Posta em cima de uma mesa, como um traste sem préstimo, a imagem do santo que constituíra motivo de orgulho para muitas gerações de mourenses, quando saía, na procissão do Corpo de Deus, montado num cavalo garboso, acusava agora a severidade dos maus-tratos infligidos no decurso de anos e anos de abandono. As pernas, cada uma caída para o seu lado, já não respondiam às articulações, a armadura, forrada a folha de prata, desenhava uma mancha escura; e, um pouco por toda a extensão do vulto, viam-se fissuras, perdas de camada cromática, sinais de contusões. Nada impressionava mais, porém, do que o rosto, com o terrível contraste entre um olho que vê e o outro vazio. Mesmo assim, o santo guerreiro deixava aflorar nos lábios um sorriso eterno, com a satisfação de quem já encontrou a Verdade. Logo ali jurei que o traria de novo à luz e que lhe poria a órbita esmagada e que o levaria de novo a cavalgar. E aquele sorriso nunca mais me abandonou.”
Com tudo quanto vos apresento, chamar “exemplar” a este livro é ser redundante, tão óbvia a sua qualidade.

3 comentários:

Anónimo disse...

E onde é que se pode arranjar esse livro? Em qualquer livraria? E já agora quanto custa, detalhe importante num bolso português.

Ruy Ventura disse...

Penso que só directamente através do Departamento da Diocese de Beja. Ou nas exposições e museu ligados a ele.

dapraia disse...

grande livro. bem escrito, melhor ilustrado.