REFEIÇÃO COMPLETA

Natália escreveu, convicta,
que a poesia é para comer.
Creio que se referia a uma refeição completa.
Gostaria decerto que os comensais
iniciassem a sua refeição
com uma entrada, seguida de sopa.
O estômago estaria assim preparado
para o prato de peixe. Sargo, dourada, bacalhau
- ou apenas uma humilde sardinha frita.
Entraria então o cheiro do cabrito
assado no forno, com arroz servido
naqueles recipientes de barro
negro comprados na feira de Vilar de Nantes.
E o cabrito desfazer-se-ia na boca
com o arroz, acompanhado pelo vinho
provado nos primeiros dias do mês de dezembro.
Sentir-nos-iamos como abades,
mas não tão cheios que não coubesse
no ventre que deus nos deu
uma boa taça de aletria
polvilhada com canela
desenhando letras sobre o prato.
O remate ideal seria então
uma forte aguardente de mel
ou de medronho -
que nos confortaria a alma - satisfeita.

A poesia é para comer, escreveu Natália.
Em refeição completa.
Há agora, entretanto, alguns poetas
com estômago pequeno
ou talvez adoentado.
Comem sopa e apenas sopa.
Mais nada.
E na sua frugal vontade
(que mais nenhum acepipe conhece ou quer conhecer)
desejam que os leitores comam
também apenas sopa...
ainda por cima uma sopa deslavada
que nem a "sopa dos pobres"
na Almirante Reis
se atreveria a servir
aos mendigos que habitam a capital,
muito menos a leitores honestos.

(Na imagem: um desenho de Nicolau Saião)

3 comentários:

Anónimo disse...

imenso vazio no estômago
falta de vontade
nada de comer

Anónimo disse...

Gostei, e mais não digo.

indah disse...

Y es que la poesía no solo afina el espíritu, sino que "estiliza" la figura :)

Me ha gustado. Mucho.