Aurélio Porto
Dois poemas
(um quase haiku)
Cristovam, mastigadores do mundo
somos, e de tuas glicínias.
Doce flor na saliva, passado menino.
1983
A uma cadela
Enquanto vives,
Diana, e teus olhos do teu mais profundo sono
jamais me perdem e vigilantes
ao menor gesto meu se sobressaltam,
enquanto o sopro que não há te atravessa inteira
e te mantém a nosso lado,
na poeira e no vento, e no sol o xisto
abrindo,
digo-te agora que o teu sopro é o meu sopro,
e enquanto imóveis na memória
frescas glicínias tombam sob o calor de agosto
sob a sombra tombam onde Farrusco
o cão dormindo outro cão lembra
esse que Cristovam amou onde outras glicínias engrinaldam
esse menino só
lembrança,
digo-te enquanto vives a alegria a dor
do coração compassivo,
a ferida funda rasgada e o golpe
à faca o corpo já morto e agoniza,
digo-te aí o lugar único
onde o coração repousa,
e quando tuas orelhas ao longe se erguem
ao curto silvo que o vento traz,
não há,
Diana,
outra alegria.
1988
in Flor de um Dia
no prelo
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