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sangue ou tinta? nada substitui o corte
na paisagem. pedra ou tinta? não interessam
as formas nem as figuras dispostas no paramento
que rompe a linha das casas. os vitrais escondem

a passagem de um navio por entre os dedos.
não existem imagens que os olhos reconheçam.
na memória avultam movimentos mínimos –
lábios recebendo no negro esplendor

a torre inteira, arquitectura de sangue.
pedra ou sangue? esqueço o horizonte.
contemplo os vitrais. gritos explodem
como sinos num dia de nevoeiro.

ou tocarão os sinos como gritos nesta torre
que permanece sobre o livro?

* * *

sangue, tinta, pedra. a inexistência
sobre o espaço, substituindo a existência sobre a terra.
a pedra como símbolo do sangue – o sangue
como tinta, elevando na superfície
da carne outra torre feita de vulcões e de memória.

nada resiste contudo ao efémero das raízes.
a erosão e a humidade desfazem e apodrecem
o corpo, a torre, a paisagem.

os átomos subsistem. mas no fim dos tempos
ninguém poderá distinguir no deserto
a torre do corpo, o corpo da tinta e do papel
que um dia registaram a transfiguração

da pedra, do sangue – nas palavras.



(Paris: torre de Saint-Jacques.)

3 comentários:

Anónimo disse...

Nicolau m'a fit conseil de ton blog.
J'ai lu ton poème, ce poème ci - et je suis ravi, nom de dieu!
Et, tu voix, j'ai visité aujourd'hui mêmme la tour de notre Flamel!
Je t'embrasse bien fort, mon gars!

Jacques Tombelle

Anónimo disse...

Mmmm...Talvez impressiones os franceses.

Luís Galego disse...

nada resiste contudo ao efémero das raízes.

Gostei e muito!!!