A VITÓRIA
DE SALAZAR
Salazar venceu. Como referiu há tempos um conhecido humorista, pela primeira vez, depois de morto, foi escolhido através de eleições...
Na falta de outros meios eficazes de protesto contra o estado lastimável e lastimoso do país, um punhado de portugueses aproveitou a oportunidade de um concurso televisivo para exprimir o quanto não lhes serve a roupa desta "democracia" que nos reveste.
Não acredito que a maior parte dos "votantes" no ditador (a propósito, teríamos gostado muito que a RTP nos informasse quantos foram...) o estime ou deseje um puro regresso ao passado. Manifestaram quanto lhes repugna o perfil de quem os representa e/ou governa, gente que, manipulando os instrumentos proporcionados pelo sistema político, com hipocrisia ludibria os seus concidadãos, promove a injustiça e a ilegalidade, age com prepotência, permite a corrupção e o tráfico de influências ou enriquece através deles.
Este sinal, valendo o que vale, traz portanto uma mensagem forte e muito clara, que certa gente não entenderá ou quererá entender. Avestruzes, admirar-se-ão e indignar-se-ão mais tarde, se ao poder legislativo ou executivo chegarem movimentos populistas e/ou de extrema-direita.
3 comentários:
"Creio que este concurso, ridículo como tudo o que vem da área em que se insere, tem contudo um valor indicativo: mostrar que o português médio, o que vê e participa em inanidades deste jaez, é principalmente sensível aos próceres do autoritarismo e do sentimentalismo: Salazar e Cunhal foram (e são no inconsciente colectivo, note-se) dois notórios autoritários - um no sector fascista cinzento, outro no do fascismo vermelho. A seguir vem Sousa Mendes, um homem de bem cuja acção encaixa bem no espírito sentimental do luso típico, que é sensível à "caridade", à "bondade" e a outros vectores inculcados por um cristianismo "a outrance".
Nada de espantar, portanto, tanto mais que ali vêm também, com boa colocação, figuras como Afonso Henriques e Camões, propagandeados até à saciedade pelos asseclas intelectuais e os "valores" do regime mental que, hoje como ontem, nos envolve.
Poder-se-á pensar: mas é também um protesto contra o "estado de coisas"? Sim, mas na medida em que é uma censura, sempre presente aliás desde que ela foi instaurada, à democracia. Neste país a democracia só tem sido apreciada na medida em que dá mais oportunidades de "desenrascanço", de "desenfiamento", ou seja: de pequena vigarice ou de vigarice mais alentada. O português médio não vê na democracia uma escola de virtudes e de liberdade, mas sim um campo fértil para a sua mediocridade. Democracia para ele é sinónimo de laxismo - daí que não se iniba de, por exemplo, ter um certo apreço por Sócrates, que é um obstinado como Salazar, ou por Cavaco, que é um homem com perfil autoritário como Cunhal. Daí que eu já tenha ouvido populares comentarem favoravelmente a acção socrática com as palavras:"Este corta a direito!", sem repararem que corta a direito neles, nos poucos direitos que inda vão tendo...
Não fôra o guarda-chuva da União Europeia e o país estaria maduro para outra ditadura!
Que aliás já existe mas como ditabranda, habilidosa - veja-se o aparente caos, que é uma ardilosa maneira de manobrar, sustentada e incrementada pelo desqualificado sistema judicial, instrumento com que se vai espartilhando o quotidiano que serve o poder."
Dr. Armando Manjamanga, in “Portugal Diário”
Concordo com as intenções de quem planeou o concurso, embora não seja uma novidade nacional, mas uma importação.
Quanto aos 41% de cerca de 250 000, continuo a achar que a maior parte valem como protesto e não como saudosismo.
No que respeita ao espírito democrático dos portugueses, está torto de nascença, pois foram sempre habituados a uma democracia usurpada por gente que não os respeita e os depreza, usada como instrumento de domínio mais subreptício, mais hipócrita - na linha dos países de leste que eram todos nominalmente "repúblicas democráticas". No Estado Novo, os cidadãos estavam pelo menos a braços com um regime que, declaradamente, abominava a democracia. Agora temos um sistema que se diz democrático, quando não o é, maneira de impedir que os cidadãos o combatam com a frontalidade de outrora.
Há no entanto distinções a fazer: uma coisa é o combate pela liberdade, contra a ditadura salazarista ou outra; outra coisa bem diferente é o combate ao salazarismo, como instrumento de instauração de uma ditadura estalinista.
Há que dizer que se o concurso não é esquizofrénico, a votação é-o porque simultaneamente glorifica Salazar, o reverso da medalha Cunhal e o oposto destes dois, Sousa Mendes.
Faria sorrir se não fosse trágico, mostra bem como está o inconsciente colectivo dos portugueses após 3 décadas de "democracia".
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