melodia
[Portalegre]


subimos por fim até ao firmamento
na dor cantada nesta noite
em que as palavras elevaram (no seu lamento)
a celebração da luz, atributo da voz e do tempo.


Gaspar, o entalhador, lembrou ainda a Afonso, contemplando:
não viste de antemão o percurso desta melodia.
acompanhou no entanto o nascimento das colunas,
o cruzar das abóbadas, as estrelas
que semeaste por todo este mundo.
ficaste, sustentando o lugar da música,
aguardando todos estes séculos
a sua chegada à tua arquitectura.


desculpa-me, Gaspar”, pronunciou Morales, el divino,
nenhum de nós esperou este momento.
de entre as notas, desde o local do nascimento,
aquela voz traçou uma outra veneração
entre a dor e a alegria.
imagens, altares, retábulos e resplendores,
a pintura nossa narrando a própria vida,
permaneciam na imperfeição
que só a palavra e a melodia conseguiram resgatar.


Stabat mater dolorosa...
a tua voz traduziu durante a noite
a angústia que nos conduz,
mas também a esperança,
lendo nos sinais o brilho no corpo e no gesto.
o perfume desce pelos teus ombros,
caminha pela encosta ao encontro do rio e da terra
.”

nenhum dos quatro respondeu:
nem Gaspar, nem Luis, nem Afonso
ou Fernão, sempre em silêncio.
as sílabas haviam nascido de um outro espaço,
de uma casa onde eram apenas o alicerce.
a (sua) obra ficara completa.
há porém um retábulo. uma pauta. permanecem ainda no início.

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