Pablo Neruda
“la verdad es amargo movimiento.”
in Cantos Cerimoniales
há uma mancha de cinza
na transparência deste vidro –
gotas de sangue
no caixilho da janela
que não deixam crescer
o sol – a alma.
sem raízes, a paisagem enegrece.
palavras brilham,
mas não posso esquecer
o sangue envolvendo a língua,
a cinza dissolvendo o corpo e a memória.
“o medo envolve os ossos”?
o sangue e a cinza obscurecem
a fotografia que o tempo gravou
durante a noite.
um fio de saliva secou
por entre os lábios
(na estepe que não quiseste ver).
construíste a casa e o jardim.
mas deixaste sobre a ilha
essa sombra –
cinza e sangue,
dor e esquecimento.
Ruy Ventura, in Vale dos Homens (livro inédito)
(este poema representou o autor na antologia de homenagem a Neruda, organizada por Cristino Cortes e publicada recentemente pela Universitária Editora)
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