A POESIA HUMILDE DE FÁBIO GOMES

É sempre com muita alegria que encontro um poeta até então meu desconhecido, um daqueles criadores que colocou a sua vida ao serviço das palavras. Rejubilo quando descubro a autenticidade verbal e existencial de um Homem que, usando os recursos que tinha à sua disposição, tentou comunicar uma visão peculiar do Universo. Não me interessam as circunstâncias que rodearam o autor. Desejo apenas que os poemas sejam frutos saborosos e não imitações plásticas fabricadas por um versejador mais ou menos habilidoso. Como escrevi n’ O Distrito de Portalegre em 29/04/2005, “versejadores há-os em qualquer parte: nos bancos das tabernas e nas academias, nas leivas de terra e nos jardins relvados, nos jogos florais e entre luxuosas encadernações...”
Deste verão que agora termina guardo a alegria de ter encontrado um poeta. Nunca conheceu em vida o contentamento de um livro publicado. Pertence ao grupo dos criadores de uma Poesia Humilde (próxima do húmus, da terra), a que João David Pinto-Correia chamou “tradicionalistas”, porque se socorrem dos instrumentos da tradição oral, comunicando através de uma linguagem simples, mas autêntica. Chamou-se (chama-se) Fábio Gomes e nasceu em Aljezur a 31 de Julho de 1911, tendo falecido em Lisboa no dia 5 de Junho de 1998. O volume que, postumamente, guarda a sua produção poética intitula-se Flores de Outono e foi editado, em boa hora, pela Junta de Freguesia da sua terra e lançado no passado mês de Agosto.
É um autor modesto que nos escreve: “Não olhes para o poeta / Para saber se versa bem / Na cara dele não se vê / O valor que a rima tem // [...] // Às vezes escrevo com erros / Coisas que lembro da vida / Digo à pena os meus segredos / Escritos em letra tremida” (p. 180).
Ligado à terra, exalta o valor de quem a torna fértil, comparando o seu trabalho com o de um verdadeiro Artista: “O artista cavador / Com as cores da natureza / Pinta quadros de valor / Com realismo e beleza // [...] // Lindos pomares em flor / Os trigais da cor do mel / As tintas foram suor / A enxada o seu pincel // Com a enxada na mão / Dando vida à sua tela / Tirando da terra o pão / Faz a sua obra mais bela” (p. 59).
Fábio Gomes exprime com encantamento, com humor ou com mágoa, mas sempre com frontalidade, a sua visão do mundo, seja natural ou humano. Satiriza o “Carnaval” político, através de uma fábula em que um “chibato orgulhoso / Com a sua pêra imponente, / Pendura os óculos nos chifres / Foi eleito presidente!” (pp. 120 a 125). Manifesta desilusão, quando recorda os desmandos do pós-25 de Abril: “Estalou a revolução / Por todos tão desejada. / Eu sofri uma decepção / Vi a minha terra ocupada. // Agora com a ocupação / Sou um zero, não à direita, / Já não faço a sementeira / Nem sei nada da colheita.” (pp. 194/195). Nascido numa terra de gentes ligadas ao mar, personifica-o, para revelar os muitos dramas que guarda: “Numa noite tão serena / Chorava de dor o mar / Será que ele tinha pena / De tanta gente matar?...” (p. 88).
Muitos dos poemas são autobiográficos, como costuma suceder com boa parte da poesia lírica, apesar das máscaras do fingimento. Sentimentos, emoções e memórias ascendem à superfície do texto, de forma aberta ou velada. Adaptando um velho provérbio à sua experiência, Fábio Gomes afirma: “Há os que vivem chorando / Levando a vida a cantar / Eu levo a vida cantando / Com o coração a chorar” (p. 200). Mostra-se então uma dor de existir que se reflecte na escrita (“O que tem a minha pena / Que de pena anda perdida / Será porque a minha pena / Tem pena da minha vida?” (p. 15)), vinda da consciência de um tempo que passa e não regressa: “O tempo passou por mim / Sempre a correr sem parar / E eu à espera do tempo / Não vi o tempo passar.” (p. 104).
“Dizem que perto da morte / É só quando o Cisne canta. / Serei eu também assim / Que só agora no fim / Abri a minha garganta!? // [...] // Se estivesse em minha mão, / Como Cisne eu queria ser. / Mostrar a minha alegria / Cantando uma melodia / E depois de cantar, morrer.” (p. 26). A poesia, nascida no entardecer da vida, é para Fábio Gomes um canto de cisne – um canto de cisne que merece ser conhecido por quantos apreciam uma poesia humilde e, logo, autêntica.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pelas pequenas amostras belas e boas aqui dadas se vê a qualidade de um poeta mesmo, poeta tradicional ou popular se se quiser, mas verdadeiro poeta - com uma voz sensível e fremente,saborosa de lirismo, ora magoado ora com uma ironia assinalável nos embates com o quotidiano.
Verifica-se que este malogrado autor não era/é um poetastro desses que com frequência, em Portalegre, medíocres tentam fazer passar (com o beneplácito de videirinhos/as e o altifalante propiciado pela "folha de couve ou pasquim" - como lhe chamou um ilustre e fenomenal causídico para desculpabilizar suas injúrias - que ali tem o seu "lugar de servicinhos")por lebres de Maio, não sendo mais que gatos escanzelados em estilo "galhetas".
O azar dessa gente é que, por exemplo, RV não dorme. E fala e separa as águas.
E como disse um Mestre de Coimbra que não vai em mixórdias, Amadeu Carvalho Homem, "À História eles não escapam".